É com enorme satisfação que damos início à nossa conversa com Etelvina Ferreira, uma autora cuja trajetória literária tem cativado cada vez mais leitores em Portugal.
Com uma carreira consolidada na área da saúde e, em paralelo, um percurso notável na escrita, que já resultou na publicação de três livros em poucos anos, Etelvina convida-nos a explorar o seu profundo universo criativo.
Nesta entrevista, vamos mergulhar na sua relação visceral com a escrita, descobrir o que a impulsiona a criar e como a literatura se tornou um espaço de liberdade e reflexão. Abordaremos também o seu papel fundamental na dinamização cultural, nomeadamente na cofundação do jornal da Universidade Sénior de Gondomar e na sua colaboração em eventos como o "Convida", analisando o impacto destas iniciativas na comunidade.
Além disso, falaremos sobre a literatura como uma poderosa ferramenta de transformação individual e coletiva, a partir da sua perspetiva, e vamos explorar os desafios e as inspirações por trás do seu romance histórico, "Um Gasómetro na Escuridão". Por fim, Etelvina partilhará connosco os seus sonhos literários para o futuro e a importância da poesia na nossa humanidade, nomeadamente através do evento "Poesia no Parque".
Seja bem-vinda, Etelvina, e muito obrigada por partilhar connosco um pouco do seu valioso universo literário e cultural.
Sobre a Autora e o Percurso Literário
Boa tarde, Etelvina. É um prazer tê-la aqui. Com uma vasta experiência na área da saúde e, mais recentemente, um percurso literário tão ativo e diversificado, que a levou à publicação de três livros em poucos anos, como descreveria a sua relação com a escrita e o que a motiva a continuar a criar?
A minha relação com a escrita é essencialmente visceral. Escrevo porque preciso — para ordenar pensamentos, dar forma a emoções ou simplesmente para entender melhor o que me rodeia. Desde muito cedo percebi que a palavra escrita me oferecia um espaço de liberdade e reflexão que poucas outras coisas me davam.
O que me motiva a escrever é, por um lado, essa necessidade interior de expressão e, por outro, o desejo de comunicar com os outros. Gosto de captar o detalhe, o insólito, aquilo que passa despercebido. Muitas vezes escrevo sobre figuras do quotidiano, diálogos improváveis ou situações com um pé no real e outro no absurdo. Há sempre, creio, uma tentativa de olhar com humor, mas também com ternura, para o mundo.
Também me interessa a memória — pessoal, familiar, coletiva. A escrita torna-se uma forma de recuperar vozes, lugares e tempos que merecem ser revisitados. No fundo, escrevo para não deixar desaparecer o que me parece importante. E porque, mesmo quando ninguém está a ler, continuo a conversar com o texto. E isso, por si só, já é razão suficiente.
A cofundação e o papel de editora-chefe do jornal da Universidade Sénior de Gondomar, a par da sua colaboração em eventos como o "Convida", demonstram um grande empenho na dinamização cultural. O que a levou a abraçar estas iniciativas e qual o impacto que sente que elas têm na comunidade?
O que me levou a cofundar o jornal da USG foi, acima de tudo, a vontade de criar um espaço de expressão, partilha e pensamento crítico dentro da comunidade onde me revejo. Sentia que havia vozes por ouvir, histórias por contar e talentos por revelar — e que um jornal podia ser muito mais do que um boletim informativo: podia ser um ponto de encontro entre diferentes visões e sensibilidades.
Assumir o papel de editora-chefe foi uma extensão natural desse impulso. Gosto de acompanhar processos criativos, de incentivar colaborações e de pensar cada edição como um pequeno retrato do que somos e do que queremos discutir. O jornal tornou-se um palco onde convivem literatura, opinião, reportagem, arte e humor — tudo feito com rigor, mas também com paixão.
No que toca às outras atividades culturais, o meu envolvimento parte do mesmo princípio: acreditar que a cultura aproxima, questiona, eleva.
O impacto na comunidade tem sido muito positivo. O jornal ajudou a dar visibilidade a temas relevantes, a promover talentos e a fortalecer o sentimento de pertença. É gratificante perceber que aquilo que começou há quatro anos como uma ideia entre duas pessoas, eu e o Artur Sousa, se transformou numa plataforma respeitada e viva — e que, de alguma forma, contribui para uma universidade mais ativa, participativa e culturalmente rica.
No seu quotidiano, a leitura e a escrita são indissociáveis. Afirma que "os livros trazem conhecimento" e que "ler um livro é combater a ignorância". De que forma a literatura, na sua perspetiva, pode ser uma ferramenta tão poderosa na formação e transformação individual e coletiva?
Para mim, a literatura é uma forma de estar no mundo. A leitura e a escrita alimentam-se mutuamente no meu quotidiano: leio para compreender melhor, para aprender, para relaxar e escrevo para processar o que compreendi — ou, muitas vezes, o que ainda não entendi totalmente — para combater a solidão, etc. A literatura permite-me sair de mim e, ao mesmo tempo, mergulhar mais fundo no que sou.
Individualmente, é uma ferramenta poderosa porque nos amplia a visão. Ajuda-nos a desenvolver empatia, a questionar ideias feitas, a confrontar-nos com o outro — esse “outro” que pode viver noutro tempo, noutro país, noutro corpo, mas com quem, de repente, estabelecemos um laço íntimo. Quantas vezes não nos sentimos compreendidos por um personagem ou por uma frase que nos chega no momento certo?
Coletivamente, a literatura pode ser um motor de mudança. Convida ao diálogo, ao pensamento crítico e à construção de memória. Dá voz aos silenciados, recupera histórias esquecidas e cria espaços simbólicos onde as sociedades se pensam e repensam. Um livro pode não mudar o mundo de um dia para o outro — mas pode mudar uma consciência, e isso é sempre o primeiro passo.
No fundo, acredito que a literatura nos humaniza. E, num tempo em que tanto se perde em ruído, ela continua a ser uma forma profunda de escuta — de nós, dos outros e do mundo.
Sobre o Livro "Um Gasómetro na Escuridão"
O seu romance histórico, "Um Gasómetro na Escuridão", publicado em 2024, é apresentado como uma "história de coragem no fundo da terra", que atravessa dois séculos e duas grandes guerras, evocando a dureza da vida mineira e a resiliência humana. Para além desta síntese tão elucidativa, o que mais gostaria de destacar sobre o livro para despertar o interesse dos leitores?
Mais do que um retrato histórico, é uma reflexão sobre a condição humana: a força perante a adversidade, o poder da memória coletiva e a busca por luz mesmo nos lugares mais sombrios.
Através de personagens marcantes — homens, mulheres e até crianças — cujas vidas se entrelaçam com a história do mundo e, particularmente das minas, o livro dá voz aos que resistiram, sonharam e amaram sob o peso da guerra, da terra e do tempo.
Com personagens vívidas e uma escrita que une o detalhe histórico à emoção da ficção, esta obra é um tributo aos invisíveis da história — homens, mulheres e crianças que souberam encontrar, na adversidade, mesmo nas profundezas da alma, o caminho para a dignidade.”
No livro "Um Gasómetro na Escuridão", a Etelvina explora "os silêncios da memória" e a "resiliência de quem resiste na sombra". Quais foram os maiores desafios na pesquisa e construção desta narrativa histórica, e de que forma conseguiu dar voz a estas memórias e resistências?
O principal desafio foi o tempo e a escassez de informação. Foram dois anos intensos de investigação! Foi difícil encontrar e cruzar documentos sobre a Primeira Guerra Mundial, especialmente o percurso dos soldados portugueses até aos campos de prisioneiros — uma parte particularmente dolorosa de explorar. Também a história das Minas de S. Pedro da Cova exigiu um trabalho profundo: além dos documentos, pesquisei usos e costumes da época para que as personagens fossem fiéis ao seu tempo. Recorri a vários especialistas e fiz questão de respeitar o rigor histórico, sem perder a dimensão humana da narrativa.
Olhando para o futuro, e considerando o sucesso dos seus romances, qual é o seu próximo sonho literário? Há algum tema ou género que a desafie particularmente a explorar a seguir?
Escrevo poesia, sim, mas o que mais gosto de escrever é prosa — embora nunca consiga fugir completamente a um certo romantismo, aos textos poéticos, que acabam sempre por se insinuar no texto. Tenho uma grande paixão por romances de época e históricos, e é nesse género que me sinto mais desafiada e realizada.
Atualmente, estou a começar um novo romance que parte de um ramo da história da minha família, algo que me despertou grande interesse enquanto escrevia a respetiva genealogia, com membros que remontam a 1551. Claro que é uma obra de ficção, mas exige, uma vez mais, investigação cuidada: consultar documentos, perceber os usos e costumes da época, e garantir que tudo faz sentido dentro do contexto histórico. Será um trabalho longo, mas acredito que o tempo é essencial quando queremos escrever com profundidade e respeito pelos mundos que recriamos.
A Poesia e o Evento "Poesia no Parque"
A sua obra poética "Pegadas do Meu Sentir" é um "trilho de emoções, memórias e silêncios que falam", e apresenta uma profunda sensibilidade. Numa das suas frases, refere que "a poesia dá essência ao ser humano". Poderia desenvolver um pouco mais esta ideia? De que forma a poesia, na sua perspetiva, contribui para a nossa humanidade?
A poesia tem a capacidade única de dizer o indizível. Condensa emoções, abre espaço ao silêncio e à contemplação, e devolve-nos ao essencial com poucas palavras. Num mundo acelerado, a poesia abranda o tempo e convida à escuta — de nós, dos outros e do que nos rodeia. Ela desperta a sensibilidade, amplia o olhar e torna-nos mais conscientes da beleza, da dor, da fragilidade e da esperança. No fundo, a poesia lembra-nos que somos humanos precisamente porque sentimos — e porque precisamos de encontrar sentido naquilo que sentimos.
O "Poesia no Parque" é um evento marcante no Parque Urbano de Gondomar, que celebra "a beleza das palavras e da natureza". O que representa para si este encontro literário ao ar livre e qual a sua importância no panorama cultural da região?
A Poesia no Parque representa, para mim, um espaço de encontro genuíno — entre vozes, gerações e sensibilidades. É um momento em que a poesia sai dos livros e se instala ao ar livre, em contacto direto com as pessoas e com a natureza. Há algo de profundamente humano e democrático nesse gesto: ler e ouvir poesia num espaço público, sem barreiras.
No panorama cultural da região, o evento tem vindo a ter uma importância crescente. Tem conseguido criar uma comunidade em torno da palavra, dar visibilidade a autores locais e nacionais, e despertar o gosto pela leitura de forma acessível e envolvente. Num tempo em que a cultura muitas vezes se consome à pressa, encontros como este devolvem o valor da escuta atenta e da partilha poética. É uma celebração da linguagem — e, por isso mesmo, uma celebração da vida.
Chegamos ao fim desta inspiradora conversa com Etelvina Ferreira. Agradecemos imensamente a sua generosidade e disponibilidade em partilhar connosco a sua paixão pela escrita, o seu compromisso com a dinamização cultural e a sua visão sobre o poder transformador da literatura.
O seu percurso, que une a dedicação à saúde com a profundidade das letras, é um testemunho da resiliência, da curiosidade e da capacidade humana de criar e inspirar. Desde a sua "relação visceral" com a escrita, que a leva a "ordenar pensamentos, dar forma a emoções ou simplesmente para entender melhor o que me rodeia", até ao seu papel ativo na comunidade de Gondomar, Etelvina demonstra como a palavra pode ser um veículo para a memória, o diálogo e a mudança.
Com obras como "Um Gasómetro na Escuridão", que dá voz aos "invisíveis da história", e o seu envolvimento no "Poesia no Parque", que celebra a linguagem e a vida, Etelvina Ferreira não só enriquece o panorama literário português, como também reforça a importância da cultura no desenvolvimento individual e coletivo.
Que os seus projetos futuros continuem a florescer, a desvendar novas histórias e a tocar corações, tal como o seu próximo romance, que promete mergulhar nas raízes da sua própria família. Muito obrigado, Etelvina, pela sua valiosa contribuição e por nos permitir fazer parte do seu universo. Desejamos-lhe o maior sucesso nesta jornada literária e artística!