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Numa tarde soalheira de Primavera, na sala dos troféus de sua casa em Vila Nova de Poiares, Jaime Marta Soares abriu o livro da sua vida — e com ele, acendeu o rastilho de algumas verdades incómodas.

Comendador, ex-autarca, líder associativo, comandante dos bombeiros e fervoroso sportinguista, Marta Soares continua, aos 80 anos, a falar como sempre viveu: sem filtros. A entrevista que lhe fiz revelou muito mais do que memórias — escancarou as feridas de um país onde, por vezes, parece que a moralidade é só para alguns.

O país que continua a arder (e não é por acaso)

Não tenho dúvidas de que, no passado, mesmo recente, havia muitos interesses que originavam incêndios florestais”, dispara Marta Soares. E quando um homem que passou a vida no terreno o diz, talvez valha a pena escutar. Fala com conhecimento de causa, denunciando negócios mal explicados nos meios aéreos, floresta abandonada, cadastro por fazer e décadas de promessas falhadas.

Aponta o dedo a sucessivos governos que “falam de cátedra sem distinguir um chaparro de um eucalipto” — uma frase que, se não fosse trágica, dava para rir. “Nenhum eucalipto vale a vida de um bombeiro”, afirma. Mas entre a cobardia política e os interesses instalados, o país continua a arder todos os verões.

Para Marta Soares, tudo começa no que nunca se fez: emparcelamento, ordenamento e uma legislação com coragem. “Os fogos não se combatem, evitam-se.” E evitar exige acção, não discursos decorados.

Os milhões do Metrobus e o silêncio de Poiares

Outro tema que o tira do sério: os famosos 370 milhões de euros gastos no projecto Metrobus, entre Coimbra e Serpins. Dinheiro gasto com pompa, sem retorno proporcional para Poiares. “Qual é a parte de Poiares nesse bolo?”, pergunta com indignação.

Critica os responsáveis locais que, em vez de exigirem a fatia justa, preferem o silêncio submisso. “Com uma fracção desse dinheiro, podia refazer-se a estrada da Beira ou criar a ligação ao IP3. Mas Poiares ficou calado. E isso é imperdoável.” A frase que fica no ouvido resume bem o estado de alma: “Ou há moralidade, ou comem todos.”

Bombeiros, sportinguismo e a arte de não virar a cara

Com 60 anos de vida dedicada aos bombeiros, diz que a maior derrota foi ver o voluntariado a definhar por falta de apoios. Lamenta que quem devia ter criado um verdadeiro estatuto social para os bombeiros tenha preferido “fazer política nas festas, à custa de quem se arrisca todos os dias”.

No desporto, não esquece os tempos turbulentos à frente da mesa da Assembleia do Sporting. Teve mão firme na destituição de Bruno de Carvalho e acredita firmemente: “Este ano, o Sporting será campeão.” No futebol como na vida, diz, o problema é o mesmo: gente que se esquece depressa de quem lhes abriu o caminho.

Memórias, desabafos e uma certeza

Marta Soares não fala para agradar. Fala porque sente. Fala porque sabe. Fala porque ainda espera que este país acorde. Tem orgulho nas suas raízes, nos seus combates, nas suas derrotas. Mas sobretudo na frontalidade que nunca perdeu.

Portugal precisa de mais homens assim? Talvez. Ou talvez precise apenas de deixar de fingir que não os ouve.

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