As notícias que têm saído do governo liderado por Luís Montenegro são um bom exemplo de como a realidade política pode ser moldada pela narrativa mediática, frequentemente em prejuízo dos factos.
O governo criou o Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação, uma nova estrutura que integra a Direção-Geral da Educação, o Plano Nacional de Leitura, a Rede de Bibliotecas Escolares e o Instituto de Avaliação Educativa. Integração! Não extinção. Reorganização, não eliminação.
Esta medida faz parte da reforma do Ministério da Educação, que reduziu de 18 para 7 entidades, otimizando recursos. Ou seja, a diferença é puramente estrutural: em vez de várias entidades dispersas por diferentes organismos, passamos a ter uma organização mais coesa e focada na qualidade dos serviços prestados.
Mas a nossa imprensa, sempre zelosa em informar decidiu que “integrar” era sinónimo de “extinguir”. É como dizer que quando juntamos o açúcar ao café estamos a extinguir o açúcar.
Ou já não se tem tempo para ler os diplomas legais, ou a tentação de criar títulos bombásticos é tanta que se sacrifica o essencial. Percebe-se: é muito mais divertido escrever que Montenegro “acabou com o Plano Nacional de Leitura” porque
Governo reorganiza estruturas educativas para maior eficiência" não vende. E assim, através de uma alquimia mediática, uma medida administrativa transforma-se num ataque à educação e à cultura.
Ora, quando uma reorganização é apresentada como eliminação, estamos perante um problema grave do nosso ecossistema informativo. Este caso não é apenas sobre políticas públicas. É sobre a qualidade da nossa informação em democracia. Quando os factos são consistentemente distorcidos, como podem os cidadãos formar opiniões informadas?
O escrutínio democrático é essencial. Mas esse escrutínio deve basear-se em factos, e não em narrativas construídas. Quando uma simples leitura dos diplomas legislativos revela que as funções do Plano Nacional de Leitura e das Bibliotecas Escolares foram preservadas e integradas numa estrutura mais ampla, a insistência na narrativa da "extinção" é incompreensível.
Títulos sensacionalistas geram mais cliques que explicações técnicas sobre reformas administrativas, já o sabemos. Mas este caso revela um problema mais vasto: a tendência para dramatizar medidas administrativas normais. Qualquer governo, de qualquer cor política, precisa de reorganizar estruturas, eliminar redundâncias, optimizar recursos. Quando estas ações são sistematicamente interpretadas como ataques destrutivos capazes de nos trazer o fascismo de volta a cada esquina, inviabilizamos a governação.
É como se eu dissesse que "integrei a minha carteira na minha mala" e alguém concluísse que eu "destruí a carteira”! Mas pronto, quando se tem espaço para preencher e clicks para gerar, a precisão factual é um luxo.
Uma democracia saudável exige que os factos sejam tratados como factos, independentemente das narrativas políticas que se constroem. Quando se perde esta distinção, perdemos a capacidade para o debate racional. E sem debate racional, a democracia reduz-se a um espetáculo de posições irreconciliáveis baseadas em premissas falsas.
O Plano Nacional de Leitura e a Rede Nacional de Bibliotecas não foram extintos. É um facto verificável, não é uma opinião.