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Era uma vez uma pequena rua perdida no coração de um bairro de Bruxelas, que oficialmente era designada por avenida, por se situar numa zona constituída por avenidas, e onde, ao longo dos últimos anos, se foram instalando pessoas oriundas de vários países da União Europeia.

Não é longe do centro, beneficia da rede de transportes públicos e tem acesso fácil ao comércio e às lojas de bairro.

Nesta rua, somos o casal mais antigo e, quando alguém chega de novo para aqui residir, organiza-se sempre uma receção de boas-vindas, quer em nossa casa, quer na de um dos vizinhos, o que tem facilitado as boas relações entre todos.

Estamos ao corrente dos bons e maus momentos de cada um. Organizam-se viagens em conjunto e convívios na casa de campo que um ou outro possui, longe da cidade, onde estamos mais à vontade.

Instituí uma tradição um pouco inédita nestas terras do norte da Europa. No mês de novembro, são-me enviadas castanhas de Portugal, das nossas terras beirãs, vindas dos meus próprios castanheiros, e é sempre uma ocasião propícia para nos encontrarmos.

Os nossos vizinhos belgas, ou oriundos dos países da Europa do Norte, não conhecem as castanhas, nem assadas nem cozidas. Alguns referem os chamados “marrons glacés”, que se vendem neste período de Natal, e os mais velhos lembram-se dos antigos vendedores de castanhas assadas, que também apareciam por esta época, procurados sobretudo por estrangeiros. Sabem que há castanheiros nas florestas, misturados com carvalhos e faias, mas ninguém tem o hábito de apanhar castanhas para comer: são para os animais selvagens, os veados, as corças e os javalis.

Este ano, as castanhas chegaram tarde e foi já no mês de dezembro que organizámos o magusto, em minha casa.

Em cima da mesa, além das castanhas, havia alguns enfeites da quadra natalícia e, num canto da sala, já se encontrava o pinheiro de Natal, com luzes cintilantes, guirlandas e, no chão, o habitual presépio, com figuras bem características da nossa tradição, compradas no Norte de Portugal.

Quando os convidados entraram, reconheceram o cheiro das castanhas assadas no forno, um odor que associavam aos anos anteriores. Já sentados, ainda se lembravam do gesto de debulhar as castanhas, não muito quentes, para não escaldarem os dedos.

Nos outros anos, havia sempre jeropiga, que deixei de servir por lhe notarem um gosto estranho.  Todos preferem vinho do Porto, Moscatel e mesmo vinho, geralmente tinto, que, com as castanhas, é necessário beber em abundância para que não se “empalagarem”.

Mais uma vez, veio-me à mente referir as nossas tradições de castanhas, comidas pelos Santos, pelo São Martinho e, durante algum tempo, até ao Natal. Foi um alimento importante antes da chegada da batata da América Latina — do Peru, da Bolívia. Em certas regiões de Portugal, a batata, tubérculo então desconhecido, era designada, inicialmente, castanha-da-Índia.

O ambiente era sempre animado e, quanto mais castanhas se comiam, mais Porto e vinho se bebia.

O piano estava ao lado da mesa comprida. Um conviva-vizinho, talvez já farto de castanhas e com os dedos ainda quentes de tanto as debulhar, sentou-se ao piano, à procura de uma canção que nos entusiasmasse. Todos se viraram, desejosos de um momento musical e convivial. O pianista hesitou entre uma melodia clássica “passe-partout” e outra em que todos pudéssemos participar. Os dedos fugiram-lhe para uma canção de Natal, a universal melodia da “Noite Feliz”.

Todos a murmurávamos e, em breve, já estávamos à volta do piano a entoá-la, cada um na sua própria língua. Sussurrava-se em russo, alemão, finlandês, neerlandês, português, árabe e francês, num ambiente ecuménico, pois havia convivas de religião protestante, ortodoxa, muçulmana e católica.

Num momento de pausa, lembrei-me de propor a entoação de uma outra melodia de Natal, o “Adeste Fideles”,explicando que teria, talvez, origens portuguesas, provavelmente composto por um rei português, D. João IV — o que causou admiração e interrogações entre os convivas.

O pianista procurou um tom adaptado à nossas gargantas, um pouco aquecidas com os vinhos portugueses e o entusiasmo era geral. Todos conheciam a melodia, mesmo o vizinho muçulmano, que tinha frequentado a escolaridade em instituições católicas belgas.

Instintivamente, dirigimo-nos até à árvore de Natal. A minha mulher lembrou-se de distribuir uma vela a cada um e entrámos no encanto de uma luz diáfana e cintilante que se refletia nos nossos rostos. Todos olhávamos para o presépio, agora também ladeado por duas velas acesas.

Estávamos todos irmanados num ambiente caloroso e efusivo, apenas com as luzes das velas e as da árvore de Natal. Sentia-se um momento de alegria e de felicidade. Quando as luzes se acenderam, instintivamente, abraçámo-nos e cada um fez votos de um sincero FELIZ NATAL.


 



 

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