Alguém questionou, assim que acabou de ler o Confissões, de Nina Garcia. "Quero continuar a ler as tuas histórias, porque, afinal, este livro não terminou."
Sorri.
É verdade, o Confissões é um conjunto de histórias românticas que não terminou. Cerca de 20 anos recheiam cronologicamente as folhas de um romance que testemunha passagens da minha vida, onde a poesia se cruza com a prosa, identificando de forma subtil as emoções vividas.
" (...) Esta paixão, este desejo, esta ansiedade... em certas horas...
No entanto, outras há que, desde há cerca de uma semana, são cada vez mais frequentes e em que tudo parece transformar-se num passado recente mas simultaneamente longínquo, em que os pensamentos não parecem ser tão intensos, profundos... somente parece existir a memória de algo brevemente encantador... e lamentavelmente enganador..." (pág. 172), assim termina mais um desabafo deste livro em que são descritos os sentimentos de mais uma paixão e os pensamentos que os mesmos despertaram.
"E a vida continua...
Ao longo destes 18 anos de existência de uma rapariga, tão comum a tantas outras da sua geração, cheia já de recordações e de experiências que a amadureceu e também endureceu e com tanto ainda para aprender e viver, uma parte da sua existência, fundamentalmente no campo sentimental, aqui se revelou.
Continuará o seu percurso com contradições, com insatisfações, com momentos infelizes, com revolta ou mágoa, mas também a sua força interior que muitas vezes parece tremendamente abalada, é enorme o suficiente para a continuação da sua luta como mulher e como mais um ser humano à face da Terra à procura da felicidade que é feita de pedaços.
Não desistirá de procurar por aquilo que acredita e, de viver por aquilo em que acredita, o que concretiza, indubitavelmente, a sua essência como pessoa.
É preciso que a coragem para se viver não seja somente uma mera palavra, mas sim um sentimento tão profundo e forte que torne tudo possível de ser alcançado. E, isso, ela tem!" (Pág. 173)
Sim, este livro tem continuação. Como uma espécie de duologia ou trilogia até, se se justificarem as suas narrativas amorosas.
Toda a composição é baseada em factos reais, com personagens que foram preenchendo espaços essenciais ao meu crescimento enquanto mulher, que emocionalmente enriqueceram os anos mais importantes.
Foi um desabafo escrito num daqueles cadernos decorados e representativos do diário de uma menina/mulher. Daí estar identificado por datas cronológicas das épocas em que as paixões vividas foram sendo descritas quase diariamente.
E a ideia de publicar um livro, extraído das páginas daquele diário, surgiu naturalmente numa altura em que a vontade de escrever poesia ganhou uma maior dimensão. Sem deixar que a prosa ficasse parada no tempo.
Contudo, existia uma preocupação. Durante as fases de descrição de todos os sentimentos e pensamentos, ao viver uma relação ou envolvimento com alguém, não podia dar a conhecer a verdadeira identidade do seus personagens, a fim de preservar a sua privacidade, quer fossem os ditos apaixonados quer fossem todos aqueles que se cruzaram em determinadas alturas dessas experiências.
Assim, fui criando nomes fictícios. Mas, a esta preocupação já resolvida, acrescia-se a seguinte: com o passar dos anos, muitas dessas pessoas que passaram pela minha vida foram ficando na memória e no tempo, e se concretizasse o meu sonho de publicar este livro, sem que tivesse conversado com elas para pedir a sua anuência para fazerem parte dele, não saberia se alguma consequência poderia haver. Felizmente, aquando da sua publicação, e com todos os exemplares vendidos, até à presente data não tive qualquer questão relacionada com isso.
Naturalmente que, diversas pessoas, com uma presença tão mínima nas folhas deste diário, e com quem perdi o contacto, não sabem que estão aqui representadas. No entanto, fiquei feliz com a resposta positiva de todas as que estiveram presentes no seu lançamento e apresentações, e de todas as que não puderam estar.
Quando se escreve, seja um diário, seja um texto, um poema, uma história fictícia, etc., não há uma hora ou um dia determinado. Simplesmente, o pensamento começa a delinear uma ideia para a construção de uma frase, de uma história, e com a imensa vontade de redigir aquela passagem, o impulso é de escrever imediatamente.
Assim nasce o processo criativo. No meu caso. A partir de um olhar para algum objeto, a partir de uma observação dita por alguém, de uma experiência partilhada, etc.
Por exemplo, durante muito tempo, escrevia pela noite dentro, no seu silêncio, com uma luz ténue, com uma esferográfica ou um lápis. Uma paixão, um encanto, um prazer... desenhar as letras, as palavras e dar-lhe forma através de frases que lia em voz alta para verificar se soavam bem ou para as corrigir, e sentir o cheiro do papel.
Mais tarde, através do teclado de um computador, algo que se tornou menos íntimo, menos pessoal. Mas, adaptando-me, virei-me para a envolvência da construção da história, esquecendo-me que a minha mão já não fazia o mesmo esforço para escrever e que o cheiro do papel já não estava lá. E, mais fácil se tornou, com um simples telemóvel que me permitia aceder rapidamente ao seu bloco de notas e escrever no imediato e em qualquer lugar, o que desejava.
Assim, volvidos mais de 20 anos desde o início deste diário, a continuidade do primeiro romance foi ganhando forma, apesar de estar inacabada atualmente. Na verdade, enquanto eu existir, os romances da minha vida terão continuidade...
Como um dos seus personagens que, em determinada época surgiu espontaneamente e resistiu na passagem dos anos, um envolvimento que parece "eterno", porque a eternidade é a continuidade de tudo aquilo que desejamos, e vamos alimentando, com os seus altos e baixos, e na dimensão que lhe dermos e partilharmos. E pela sua importância na sua extraordinária identificação com a minha pessoa, este personagem tem uma dedicatória especial na existência desta duologia.
“ (...) Hoje, senti-me estranha...
Olhei para alguém por quem tenho amizade, carinho, afeição, atração, que não via há alguns anos... Anos! Como é possível?! (...)
Não nos afastámos, simplesmente a vida de cada um mudou. (...)
E hoje, cruzámo-nos... senti-me estranha... Pensei que tinha perdido a minha sensibilidade, a minha vontade, o meu impulso, o meu arrebatamento após tanto tempo de ausência, que loucura! A vida mudou tanto... Para mim mudou muito, apercebi-me hoje, quando te vi!
Desde há vários anos que nunca deixámos de comunicar, conversar, argumentar, rir, partilhar ideias, revelar os nossos desejos (...) Somos confidentes. Para além de outros fatores que foram fundamentais na nossa ligação, também um sentimento de amizade e um amor algo diferente do que a maioria das pessoas têm nas suas relações pessoais, nos mantém unidos. Complementamo-nos, inevitavelmente. (...)
Senti saudades...
Reparei que emagreceste. E aparentas maior jovialidade, estás mais bonito. Gostei de olhar para ti, para os teus olhos e tentei recordar-me do que via neles. Observadores, perspicazes, profundos... Gosto!”
E assim se define a riqueza deste novo romance que está no desenrolar de cada história de cada personagem que fez parte da minha vida e na curiosidade de quem pretende continuar a ler, afinal, o Confissões, na sua extensão.
Por mais incrível que seja, a trajetória de construção de um livro, é uma aventura que precisa de trabalho, dedicação, empenho e persistência. Mas, fundamentalmente significa uma mensagem deixada pelo autor em cada história e neste caso, que envolve o tema mais universal, o amor, essa mensagem é sobre a possibilidade do amor estar sempre presente na vida de alguém e de que podemos amar mais do que uma pessoa ao longo da mesma.