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[Vivi também com o meu avô materno até aos meus quase dezassete anos. O meu avô nasceu em 1895. Os meus pais nasceram em 1924 e 1925. Tenho o privilégio de ser pai há quarenta e oito anos, e de ter filhos de idades muito díspares.

Os dois mais velhos têm hoje quarenta e sete e quarenta e oito anos. Depois, o terceiro tem hoje trinta e quatro e o quarto vinte e seis.

Acrescem três netos, entre os doze e os catorze anos.

Isto quer dizer que ao longo da minha vida vivi e convivi como parte interessada, com o ensino da Língua Portuguesa e com as variantes que foram sendo introduzidas ao longo de mais de cinquenta anos, para além dos ensinamentos acrescidos dos que me educaram.

Quando os meus filhos mais velhos chegaram à Universidade, o terceiro chegava perto de aprender as primeiras letras. Quando este chegou ao nono ano de escolaridade, o seguinte entrava no primeiro, e quando este entrou num curso superior, já os meus netos sabiam ler e escrever.

Ao longo deste tempo, fui assistindo à, na minha opinião, degradação do ensino, na sua parte mais básica e mais importante.]

…..

A língua é a espinha dorsal de uma nação. Através dela, transmitimos conhecimento, construímos pensamento crítico e perpetuamos a identidade cultural. No entanto, o actual panorama da educação em Portugal denuncia uma erosão preocupante das competências linguísticas dos cidadãos, comprometendo a própria essência da comunicação e da expressão escrita. A degradação do ensino da língua portuguesa não é um fenómeno recente, mas antes o resultado de décadas de escolhas erróneas, de uma infeliz subserviência a padrões europeus que descuram as idiossincrasias nacionais e de uma progressiva desvalorização do rigor académico.

As reformas educativas que foram sendo implementadas privilegiaram a superficialidade e a uniformização em detrimento do conhecimento profundo e estruturado. O ensino da gramática, outrora um pilar da formação escolar, tornou-se um acessório dispensável. Alunos que não sabem identificar nem conjugar tempos verbais essenciais, como o condicional ou o pretérito mais-que-perfeito, ou o infinitivo impessoal, ou ainda a utilização correcta dos pronomes pessoais, ou que desconhecem a existência dos números cardinais e a sua diferença para os ordinais, ou ainda que têm imensas dificuldades em interpretar frases simples, são agora a norma. Este déficit de conhecimento compromete a sua capacidade de expressão e, mais grave ainda, impede o desenvolvimento de um pensamento crítico e analítico, fundamentais para a compreensão do mundo.

Paralelamente, os meios de comunicação social, que deveriam servir de referência na correcta utilização da língua, tornaram-se espelhos da degradação linguística. Locutores, comentadores e jornalistas, cuja função deveria incluir o respeito pelo idioma, multiplicam erros gramaticais e sintácticos sem qualquer consequência. A falta de rigor na fala reflecte a superficialidade da formação académica e cultural e acentua o fosso entre a norma culta e a língua usada no quotidiano. Numa sociedade que valoriza cada vez menos a precisão verbal, a exigência pelo uso correcto do português torna-se quase um acto de rebeldia intelectual.

As universidades, que deveriam ser o bastião do saber, também se rendem à ditadura das "competências transversais", relegando para segundo plano o estudo aprofundado da língua materna. A pressão para a internacionalização e a adopção de modelos de ensino importados, que privilegiam a prática em detrimento da teoria, resultam numa formação fragmentada, onde o aluno sai diplomado, mas carente de ferramentas linguísticas e analíticas essenciais. O desinteresse pelo domínio da língua por parte dos próprios académicos reflecte-se numa produção científica deficiente, onde a clareza e a estrutura do discurso se perdem em prol de uma comunicação apressada e desleixada.

Os professores, por sua vez, são vítimas deste sistema. A geração mais antiga, apesar da sua resiliência, luta contra a indiferença generalizada, enquanto os mais jovens são fruto do mesmo modelo deficitário que agora perpetuam. A falta de autoridade e de meios para exigir padrões mais elevados apenas agrava a situação. Sem uma formação adequada, muitos professores não possuem as competências necessárias para transmitir um ensino sólido e estruturado da língua portuguesa. A pressão burocrática e a falta de apoio institucional reduzem a autonomia docente, transformando o acto de ensinar num processo mecânico, distante do verdadeiro propósito da educação.

Este cenário, que se estende desde a educação básica até aos mais altos níveis académicos, conduz a uma sociedade menos apta a comunicar, menos apta a reflectir, carente de pensamento crítico e, consequentemente, menos apta a decidir. A fragilidade da formação linguística traduz-se numa fragilidade cívica e política, pois um povo que não domina a sua língua é um povo mais vulnerável à manipulação e à demagogia. A incapacidade de argumentação, a dificuldade em interpretar textos complexos e a redução da cultura de leitura resultam num eleitorado menos consciente e mais susceptível a discursos populistas e simplistas.

Urge, portanto, um regresso ao rigor, à exigência e ao respeito pelo idioma. O ensino da língua portuguesa não pode ser um apêndice no sistema educativo, mas sim o seu alicerce. A promoção da leitura, o estudo meticuloso da gramática e a exigência no uso correcto da língua devem ser prioridades inquestionáveis. Caso contrário, estaremos a condenar as futuras gerações a um empobrecimento cultural irreversível e, com ele, ao declínio da própria identidade nacional.

Além disso, é essencial que as políticas públicas reconheçam a importância da valorização da língua portuguesa em todas as esferas da sociedade. Os media devem ser incentivados a adoptar padrões de exigência mais elevados, (já que se não pode obrigar), promovendo conteúdos linguísticos de qualidade. As instituições de ensino superior devem recuperar o estatuto do português como disciplina essencial, independentemente da área de estudo. A sociedade civil, por sua vez, deve rejeitar a apatia e exigir um ensino que forme cidadãos competentes, eloquentes e preparados para os desafios intelectuais do futuro.

A defesa da língua portuguesa é, no fundo, a defesa da nossa própria cultura e identidade. Só com uma base linguística sólida poderemos garantir um país mais consciente, mais esclarecido e menos vulnerável à mediocridade que se instala quando as palavras perdem o seu valor. Para que tal aconteça, é necessário um esforço conjunto que envolva famílias, escolas, meios de comunicação, governos e a própria sociedade. O domínio da língua não é apenas um requisito académico, mas um direito fundamental de cada cidadão e um dever colectivo de um país que se pretende digno da sua história e cultura.

E nem vou falar de caligrafia. Hoje em dia, nenhum jovem, e muitos, menos jovens, sabem escrever cursivo, quando escrevem a letra é irreconhecível, e não entendem o que outros escreveram. Simplesmente não reconhecem os símbolos.

 

Como se depreende, não vim apontar soluções, não as tenho, nem sou a pessoa indicada para tal. Limitei-me a trazer à luz a situação, consoante a vejo. Mas há, acredito, quem saiba o que fazer. Se têm vontade, força, capacidade, ou se lhes permitem fazê-lo, isso já não sei.

 

…..

Enquanto me preparava para vos falar, passou-me pelos olhos uma crónica falada, as minhas Conversas em Surdina, que publiquei em Agosto de 2021. Tinha o título de “Irritações”, e rezava assim:

Há dias, passou-me pelos olhos um vídeo onde se falava do ensino da língua e da escrita nos Estados Unidos da América. Com surpresa ouvi que em alguns Estados já se não ensina a escrever escrita cursiva. Os jovens desconhecem algumas das letras como o Q, o G ou o Z maiúsculos, entre outras letras, escritas desta forma.

E veio-me à cabeça o que ouço quase diariamente pelas ruas e nos telejornais, ou o que leio nos rodapés das imagens televisivas, ou nas legendas ou mesmo nas prosas dos jornais.

Conheço pessoas, algumas licenciadas e com mestrados, que dizem frases como – isto não é exagero – Olha, deixei aqui o meu caderno, bisteze-o? Eu puze-o em cima daqueles livros. – Ai que bom, encontrasteze-o… Obrigado.

Conheço gente, todos conhecemos, que não sabem a diferença entre o A, artigo definido, o À, contracção do artigo definido a com a preposição a, o Ah, interjeição e o Há, forma verbal.

Ouço gente, com estudos, que diz supônhamos, póssamos e pinhal de eucaliptos.

Ouço gente que não sabe onde deve colocar, nas frases, os artigos definidos, assim como vejo esses erros na imprensa escrita ou nas legendas de filmes. Um dos exemplos que mais me irritam é a frase – Foi ali que eu encontrei-os.

Outros, muitos, em especial os mais novos, só sabem falar um arremedo da língua. Falam quase sempre no presente e eliminam as formas compostas dos verbos. Não sabem onde colocar as virgulas, e o vocabulário é simples e limitado. Não sabem construir frases, não sabendo onde colocar o sujeito, o predicado, o complemento directo etc., não sabendo o que possam ser as orações das frases, supondo eu que nem saberão do que estou a falar. Não sabem fazer concordâncias do verbo com o sujeito ou com o predicativo do sujeito, desconhecem subtilezas linguísticas, ou … seja o que for que nos permita elaborar e formular pensamentos mais complexos e escrever razoavelmente bem. Provavelmente nunca estudaram gramática, porque nunca tiveram de a estudar verdadeiramente.

Quanto a leituras, só o que lhes foi imposto na escola, optando por ler somente o resumo do resumo dos livros. Usam cada vez menos palavras e menos verbos para conjugar. Tal provoca o empobrecimento da linguagem e um vocabulário muito limitado, provocando a incapacidade de compreensão e interpretação de um texto simples ou de uma simples pergunta.

E, repito, encontro gente desta que tirou mestrados e que tem cargos de chefia.

E admiram-se que o coeficiente de inteligência da população mundial, que aumentou até aos anos noventa, tenha agora diminuído.

E isto perturba-me, impedindo-me de estar sossegado.

Tenho medo do futuro que estas gentes nos vão dar. Amanhã vamos ser governados por eles, e alguns, muitos, já por aí andam, a mandar.

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