Touradas: prática cultural consciente ou condicionamento social?



“O mais vivo é o mais selvagem”

Se a vida reside no lado selvagem, expressão do ilustre escritor americano Henry David Thoreau, pergunto-me se é por este desejo de reconexão com o primitivo a razão pela qual algumas pessoas, ainda, gostam de touradas.

Contudo, a posição de privilégio dos que se debruçam sobre a arena, salvaguardados fisicamente por uma barreira, a fim de testemunhar o confronto ancestral entre um homem armado e uma besta selvagem, constitui a razão pela qual se desmonta a premissa inicial.

Afinal, dentro do recinto, os que parecem mais vivos não são os mais selvagens, senão os mais medrosos e mesquinhos. Os que estão inflamados pela expectativa de ver sucumbir um animal potente, forte e bravo, numa infantil encenação de virilidade. No calor de uma euforia apenas momentânea, num pico de prazer excecional de uma mentalidade obsoleta, dá-se o clímax do que é se sentir vivo ao testemunhar a morte.

Para se ter um espírito selvagem, na visão de Thoreau, é preciso que o Homem tenha alguma estrutura de espírito, não se subjugando facilmente aos artifícios de uma sociedade reprimida, que o tira da sua liberdade absoluta de pensar. Temos tendência de aceitar, sem questionar, as práticas que nos induziram como culturais. Liberdade absoluta encontra-se, então, no questionar todas as práticas normalizadas que nos foram incutidas, todas as leis que foram escritas, todas as convenções sociais que nos foram transmitidas, a fim de repensar o sentido verídico, presente, intemporal das nossas ações. A liberdade absoluta permite-nos questionar. Por exemplo, e se houvesse um “espetáculo” onde, em vez de um touro, estivesse um cão a ser alvo das mesmas barbaridades imorais e injustificadas que o touro é submetido? O que sentiríamos? Que emoções emergiriam de nós? Conseguiríamos continuar a adjetivar o “espetáculo” de “arte”?

A tauromaquia só é uma prática culturalmente aceite porque fomos condicionados socialmente a normalizá-la, pois, na falta de questionamento de muitos, tornou-se numa prática incontestável. Questionar as coisas empodera-nos a escolher aquilo que ressoa verdadeiramente connosco. Um pressuposto terá de ser testado pelo filtro da nossa consciência, entrando em comunicação com o nosso juiz interno, iniciando-se um processo de discernimento e um caminho à reflexão. Esta hipótese de pensar livremente demonstra-se ser contrária à pressão coletiva que nos exige fazer parte do senso comum, evitando as possíveis divergências com os outros.

O poder de escolha, fruto da liberdade absoluta que todos detemos, é um antídoto poderoso face à psicologia de grupo que, tantas vezes nos impele para longe da empatia. Um ato de tortura socialmente aceite, praticado pelo participante do duelo com mais potencial de consciência e discernimento, não pode estar bem, pois não faz sentido em nenhuma das esferas morais, nem éticas, nem humanas.

Defendem-se e vangloriam-se os aficionados de salvar o touro bravo da extinção, por isso criam-no a fim de o levar para a arena onde, em golpe atrás de golpe, o observam a definhar, transformando-o num animal fraco, incapaz de lutar na sua estatura total. “Espetáculo” é a expressão pela qual os aficionados nomeiam este antro de tortura, que esconde uma triste paródia de energia viril.

A cultura é um fenómeno temporal. Segundo Thoreau “(…) o essencial da condição humana reside na simplicidade e não no acumular persistente das coisas.” Já a parte “artística” das touradas, reconheço-a apenas no malabarismo de falácias e na subversão dos conceitos proferidos pela indústria tauromáquica e seus adeptos, já que a experiência estética é inexistente.

As touradas só existem em Portugal devido a uma exceção na lei que visa proibir todas as violências injustificadas contra animais. Felizmente, além de existir muitas pessoas e organizações que se protestam contra, há uma voz ativa e essencial, que tem por objetivo final a abolição das touradas em Portugal – A plataforma “Basta de Touradas”. Há esperança sempre que um povo decide empoderar-se ao fazer escolhas que reflitam o seu consciente humano.

O mais selvagem é o mais vivo. E não estou a falar de quem assiste e sai ileso no final do “espetáculo”. A verdadeira chama de viver não arde em quem é mesquinho. Estar plenamente vivo é uma condição de quem vive no seu estado de consciência impecável; de quem vive da sensatez dos seus atos em concordância com o espírito; de quem é abundante na satisfação de defender os conceitos que traduzem a sua lucidez humana, fruto da capacidade de ver no outro uma vida que vale tanto como a sua. Ver destruir a vida de um ser indefeso por puro prazer é a forma de viver mais adormentada que conheço.  O mais vivo é, seguramente, o que vive e deixa viver.

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