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Há vidas que parecem talhadas para a posteridade, mas poucas marcaram tanto a memória coletiva portuguesa como a de Francisco Sá Carneiro. Morreu aos 46 anos, no auge da sua vida, sem tempo para a acomodação, sem paciência para o cinzento. Talvez por isso a sua ausência tenha pesado tanto ao país.

E talvez por isso também a sua morte não tenha acontecido apenas naquele voo em Camarate.

A vida e morte de Francisco Sá Carneiro mostram o exemplo de alguém que aceitou morrer várias vezes. Social, política, moral e fisicamente, para que Portugal pudesse nascer como democracia e todos pudéssemos ser livres como cidadãos.

Nietzsche escreveu que, para se pagar a imortalidade, é preciso “morrer várias vezes enquanto se está vivo”, Sá Carneiro pelo seu modelo cívico e político foi o que fez.

A primeira morte foi a rotura com o Estado Novo. Desafiou o monolitismo da Assembleia Nacional por dentro, denunciou a ausência de liberdade política, expôs o sufoco imposto aos portugueses e renunciou a esse mandato quando percebeu que o regime não se ia reformar. Historicamente, esse momento foi a morte social para o antigo regime, deixou de lhe pertencer para entrar, pela mão própria, na galeria dos que o vão derrubar.​​

A segunda morte foi a renúncia ao caos durante o PREC. Entrou mesmo na luta quando nada garantia que a democracia liberal triunfasse. Em maio de 1974, funda o PPD num país dividido entre a euforia libertária e o risco de deriva autoritária, fundou a oportunidade e o momento em que a direita portuguesa deixou de ser vista como herdeira do Estado Novo para se tornar um pilar de equilíbrio da democracia. 

A “Social‑Democracia portuguesa” uma harmonia entre iniciativa individual, Estado regulador e direitos sociais é uma morte dupla, por um lado da direita autoritária antiquada e por outro do marxismo utópico esquerdista. Em 1975, quando o PPD entra na Constituinte, enfrenta o aparelho político‑militar do MFA, combate a hipertrofia estatizante do PREC e recusa a ideia de que a legitimidade revolucionária pode substitui a legitimidade democrática. 

Com a AD em 1979, Sá Carneiro mata um mito poderoso: o de que a esquerda detinha o  monopólio da democracia. Vence as eleições e garante a primeira maioria absoluta do centro‑direita em eleições livres. Foi a “primeira alternância” de poder e manifestação óbvia de que a democracia se tornava madura 5 anos depois da revolução. É a morte de uma narrativa única sobre quem podia mandar em nome do povo.​​

Na relação com Snu, Sá Carneiro mata a moralidade que o país lhe queria impor. Escolhe a mulher que ama contra a pressão social e suporta os ataques políticos que daí resultam. Nessa decisão tornou-se um homem que não negocia a própria vida.

A terceira morte é a mais visível: Camarate, 4 de dezembro de 1980. O VI Governo Constitucional, que começara meses antes a estabilizar a governação e consolidar a opção europeia, fica abruptamente suspenso. Morre o primeiro‑ministro.

Sá Carneiro paga caro a imortalidade política, morre jovem, em circunstâncias trágicas e o seu nome ficou para sempre amarrado a uma promessa de país que ficou adiado.​​

A última morte é a da sua memória. Existe a tentação à boleia dos tempos para reescrever Sá Carneiro, através de figuras sinistras que usam o seu nome para agendas de divisão e ressentimento, tentando colá‑lo a radicalismos que ele teria combatido sem hesitação. É uma forma contemporânea de “morte da pós-verdade” que retira a pessoa do universo de significados que lhe davam identidade. Esta falsificação é, historiograficamente, uma profanação.

É precisamente aqui que um epitáfio digno de Sá Carneiro se torna necessário. Não para o canonizar, mas para fazer justiça à verdade histórica. 

Nietzsche lembrava que a imortalidade não é um presente, é um preço, “morre‑se várias vezes para que se perdure para além da própria vida”. No caso de Francisco Sá Carneiro, o que perdura é a figura do político que aceitou todas essas mortes para que Portugal pudesse ser uma democracia europeia, plural e digna. 

O epitáfio que lhe é devido talvez pudesse dizer, sem exagero e sem devoção cega: morreu e enfrentou a morte muitas vezes para que não voltássemos a morrer como país.​

“Acima da Social-Democracia, a Democracia, acima da Democracia, o Povo Português!”


 



 

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