Saí de casa, ansiosa por passear, observar a paisagem em meu redor, olhar o rosto das pessoas, respirar o ar fresco de Outono num dia de sol. Andando devagar, absorvo tudo o que se passa. Simplesmente, não penso, embrenhada no mundo que me envolve.
Contudo, em sucessão, imagens surgem no meu pensamento.
Nessa avenida passeando, em pouco tempo recordo outros tempos. Tempos de menina. Enquanto tocava xilofone e olhava através da janela do quarto de um hotel que já não existe, para a estátua do Saldanha e percorria a longa avenida que a tinha como ponto de partida. Estava encantada, com apenas 6 anos de idade. Foi a primeira vez que estive em Lisboa, uma cidade algo misteriosa, mas tão bonita. Jamais a esqueci. Nessa época, gozava um período de férias com os progenitores, para posteriormente nos dirigirmos à Serra da Estrela, antes do regresso a Angola. Algum tempo depois, estaríamos definitivamente de volta a Portugal.
Ruas, ruelas, avenidas, pracetas, becos, travessas, um labirinto de história que a edificou. E a multidão caminhando por esses caminhos, recordo tantos passeios ao longos dos anos, em tantos lugares desta pequena-grande cidade onde nos perdemos envoltos no mistério de histórias por desvendar.
Após vários anos na Serra da Estrela, regressámos para finalmente fazer parte da cidade pela qual me apaixonei em criança. Um sonho concretizado. Morando nas Avenidas Novas, partilhámos um dia a dia rotineiro de uma família comum, mantendo os laços com diversos elementos da família residentes nos arredores. E um ano após os meus pais terem regressado à sua terra-natal, dá-se o falecimento da minha mãe num dos grandes hospitais da cidade, uma semana a seguir ao meu casamento. Uma das experiências mais tristes e dolorosas que aqui vivenciei.
Desconhecidos a par por mim passam assim como tantas vezes passaram quando me deslocava à noite em direção ao velho e histórico Liceu Camões. Trabalhava e estudava à noite. Em simultâneo, conheci tantos colegas e fiz os primeiros amigos que continuam a fazer parte da minha vida, senti a intensidade duma existência à descoberta do mundo. Amigos com quem partilhei experiências, aventuras, confissões, lágrimas, dores, alegrias e muita diversão, e com eles conheci a beleza de várias localidades dos arredores de Lisboa. E entre mil rostos sem fim procuro encontrar um colega daquele tempo de escola ou de trabalho, quem sabe? Foi aqui que segui os passos do meu pai na sua profissão, ao serviço do bem comum. E tantas saudades deixou essa época. Mas, a vida muda e outro percurso decidi tomar, deslocando-me para outro local da cidade que também muito aprecio. Novos colegas surgiram e outras amizades conquistei.
Decido fazer uma pausa e dirijo-me a uma pastelaria com esplanada, entre tantas que a cidade alberga, qual delas a mais bonita? Sinto os corações a palpitar passando por mim ou sentados à minha volta, conversando ou simplesmente a tomar algo. Retiro o livro que transporto na mala para fazer uma pausa nas minhas memórias e ler as memórias de alguém que não conheço. Enquanto tomo um café, apesar do barulho das vozes que se confundem com o tocar dos utensílios utilizados para servirem os clientes da pastelaria, consigo concentrar-me na leitura de palavras que não são as minhas, de descrições de locais e pessoas com histórias que valorizam esta publicação ao envolverem-me e que tanto aprecio. Mas, de vez em quando, levanto a cabeça e em cada olhar denoto uma expressão diferente. A trocar impressões. Simplesmente a pensar. Ou de semblante ausente. Quem são estas pessoas? Quais as suas histórias de vida? Como se enquadram na existência desta cidade?
As horas passam e tenho vontade de voltar a caminhar. Ao levantar-me, cruzo-me com um casal de jovens enamorados. Sorrio…. Quantas histórias não teria para contar, segredos para revelar? De paixões e amores que me completaram em tantas alturas da minha vida. Que comigo partilharam aventuras noutros pontos do país e em vários locais da cidade entre visitas a monumentos, passeios à beira-rio e pelas diversas e diferentes ruas, entre lanchar em pastelarias, jantar em restaurantes, ir a um cinema, tomar um cocktail num bar, dançar numa discoteca, ou simplesmente ir de carro pela Serra de Sintra até ao Guincho e ver o mar, observando o horizonte numa das encostas entre Cascais e o Estoril.
Neste imenso mar de gente a ir, deito um olhar para o rio Tejo que tanta beleza confere às suas margens entre o centro e o sul do país. Quantas vezes atravessei a sua ponte mais antiga e histórica para passar fins de semana em casa de família, dar longos passeios ou para apanhar banhos de sol nas suas praias de areia fina e brilhante e de água límpida e fresca? O que me trouxe uma das paixões da minha vida, com quem estive quase a casar. Com essa paixão senti a experiência da loucura que massas sentem pelo futebol, neste caso por um dos grandes clubes da cidade, o S.L. Benfica, tendo assistido a alguns dos grandes jogos.
E novamente procuro encontrar alguém a sorrir… e sorrio outra vez. Quantos quilómetros de Lisboa percorri a pé, de metro, de autocarro, de comboio, desde que conheci o homem com quem casei, cujo nome também sonhei que seria meu companheiro de vida e em Lisboa? Tantos recantos desta cidade “menina e moça”. O nosso namoro completava-se com passeios que se estendiam não somente pela cidade como aos seus arredores, bem como pelo país. E outras viagens fizemos pelo estrangeiro sempre com vontade de voltar ao nosso lar, doce lar, olhar as luzes das noites de Lisboa, ou a imensa paisagem diurna de avenidas entrecortadas por paralelas e perpendiculares sem fim, os monumentos grandiosos, os prédios altos e baixos, o porto, o cais, o pulmão da cidade, vistos de um avião a chegar ao aeroporto... Casámo-nos na Igreja de Benfica, freguesia da minha autonomia e independência. Posteriormente, a ter vivido alguns anos no concelho de Sintra, regressei.
Ao longo dos anos senti a solidão da grande cidade. Tantas vezes, ao morar no centro, vários dias da semana poderiam ser solitários. Com a chegada do fim da semana, a população reduzia substancialmente, conferindo um vazio às suas ruas e em simultâneo uma certa nostalgia. Contudo, o mundo foi mudando, e no ultimo ciclo de crise económica de que foi assolado, algo se transformou e Lisboa ganhou outra perspetiva, mais enriquecida e dinâmica a nível social e cultural, atraindo gente dos mais diversos pontos do globo. A tal solidão deixou de fazer sentido.
Descubro no meio da multidão um amigo. Falamos sobre os tempos da universidade, o quanto era difícil estudar e trabalhar simultaneamente. Entre colegas e professores, que preencheram muitos momentos de mudança nas nossas vidas rotineiras, foi, sem dúvida, uma vivência na cidade que nos enriqueceu. Outro tema de conversa foi a concretização de mais um sonho meu, publicar e lançar um livro. Uma experiencia única que me fez descobrir outra faceta do ser humano como consequência, mas que me tem fortalecido na minha visão sobre as pessoas. Assim perdi, mas também ganhei amizades e novos conhecimentos. Despedimo-nos com a promessa de nos encontrarmos em breve.
Regresso ao meu passeio, a observar o que me rodeia e como os pensamentos são como folhas ao vento que voam com facilidade pela sua leveza, as memórias são uma constante que parecem inscritas em cada esquina, em cada canto, em cada passeio, em cada prédio, em cada ruela.
Continuo apaixonada por Lisboa.”