Achei interessante a questão que a Isabel colocou, na sequência de me ter contado uma história que se passou com ela, em determinada fase da sua vida e que se tem prolongado ao longo dos anos, tendo despertado a minha curiosidade sobre o tema.
Um dia, durante essa envolvência que vivia e que permanecia no tempo, algo invulgar numa relação entre um homem e uma mulher, e mediante circunstâncias da vida, ela questionou-se sobre o amor.
Assim, começa esta pequena narrativa através do envio de mensagens para o seu eterno amigo, num dos momentos de reflexão sobre essa ligação.
“Bom dia...
A tua resposta de ontem, simples e transparente, é um conceito que se começou a adoptar numa sociedade que começou a olhar para o que se pode chamar de amor simplista. Simplificar as emoções no envolvimento com um parceiro. Na relação com uma terceira pessoa ou não. Viver o envolvimento carnal, sem aprofundar os segredos do coração humano. Olhar para o amor de várias formas, porque podemos amar de tantas maneiras, afinal.
É fácil amar mas é mais fácil não o fazer ...
Concordo, mas questiono. Será?
É fácil amar quando temos o condão de dar o que somos capazes, de acarinhar, por vezes sem esperar retribuição, de olhar com prazer, de evidenciar um sorriso transparente na envolvência do momento, de abranger o mundo num suspiro profundo.
Há várias formas de amar.
Todos sabemos. No entanto, esquecemo-nos que quando amamos espontaneamente, nem sempre é fácil amar.
Por vezes, não gostamos de certos gestos ou eles nos fazem sentir incomodados, expressos pelo outro. Contudo, o outro poderá estar a expressar-se da forma que sabe, ou que deseja, simplesmente. E nós correspondemos ou não. Mas, se sentirmos ou reconhecermos que esses gestos são transparentes revelando sinceridade, são uma forma de amor reconhecida.
E não sei porquê, ao abrir esta mensagem, nesta manhã, apesar de não ter sorrido instintivamente, senti um ligeiro toque de amor neste gesto. Diferente do dia a dia, do clichê habitual, não sei porquê, uma forma de amar.
Amas quando ofereces uma bolacha, quando desvias a cadeira para ela se sentar, quando dizes somente bom dia, quando envias uma fotografia, quando tocas ligeiramente as suas costas, quando sorris ao leres as suas pequenas crônicas ingénuas... Oh! Tantos gestos que, na sua simplicidade nos transmitem o que um coração pode estar a sentir... Seja da forma mais pura do amor, ou da forma mais inebriante do desejo, ou da forma mais louca da paixão.
Com este post de palavras escritas a branco num fundo preto e com a simples frase, "Um sorriso pela manhã" inspiraste-me nesta pequenina reflexão sobre o amor.
Porque aqui há profundidade nesta reflexão, num contraste com a facilidade com que as pessoas aligeiram o amor no mundo atual. Parece haver um vazio neste sentimento, um fugir ao que é simples e natural, ao fluir das sensações que o coração se permite envolver, mas que parece que temos medo de abri-lo. Refugiamo-nos nas coisas triviais e vamos vivendo, criando uma solidão que magoa.
A magia parece morrer, porque deixamos de alimentar esses gestos, e mesmo tendo-os damos-lhe outro significado, porque não queremos reconhecer que o coração é de manteiga.
E que os seus segredos são tantos...
Lembrei-me de um certo dia das nossas vidas, em que nos reencontrámos... e que levou a um desabafo escrito...
"- Hoje, senti-me estranha...
Olhei para alguém por quem tenho amizade, carinho, afeição, atração, que já não via há anos... Anos! Como é possivel?! Quero lembrar-me qual foi a última vez que nos encontrámos e partilhamos a nossa... e... Não estou a conseguir...
Não nos afastámos, simplesmente a vida de cada um mudou.
Eu enamorei-me de alguém, e nessa sequência, atendendo a certas dificuldades em nos encontrarmos coincidentes com este detalhe, também procurei evitar em estar contigo. Sempre disse, que se estou com uma pessoa, não estou com mais ninguém. Achava que não era justo para a outra pessoa e também não seria para ti.
Justificações fundamentadas ou não, o tempo foi passando e chegou o dia em que nos deparámos com uma pandemia sanitária que se tornou mais um fator para nos mantermos afastados. A minha relação durou vários meses e após o seu final, e desde essa altura que não tive mais ninguém.
Hoje, senti-me estranha...
Pensei que tinha perdido a minha sensibilidade, a minha vontade, o meu impulso, o meu arrebatamento! Que loucura!
A vida mudou tanto... Para mim mudou muito, apercebi-me hoje, quando te vi!
Até hoje e desde há vários anos que nunca deixamos de comunicar, conversar, argumentar, rir, partilhar ideias, revelar os nossos desejos e segredos até. Somos confidentes. O que nos une é a nossa dedicação ao trabalho, aos valores da nossa profissão, ao empenhamento pela causa que defendemos, mas também um sentimento de amizade e um amor algo diferente do que a maioria das pessoas têm nas suas relações pessoais, para além das relações físicas. Sempre nos completamos. Inevitavelmente.
Fazes parte de mim e eu de ti, sem dúvida. E estamos tão impregnados um no outro que nem damos por isso. É uma amizade sincera, transparente, confidente. Evidentemente que o meu desejo é, mesmo que a química entre nós desvaneça, que fique este laço que nos une.
Hoje, senti-me estranha...
Olhei-te, observei-te, e procurei perceber o que sentia.
Senti saudades...
Gostei de olhar para ti, para os teus olhos e tentei recordar-me do que via neles. Observadores, perspicazes, profundos, malandros... Gosto!"
O que tem o amor que revela os segredos do coração humano?
Esta reflexão poderia ser um tema para algo... Uma história, um artigo, uma crônica, um conto... Sei lá. Mas, é para ti.
Bom dia... “
Isabel deixou-me a pensar… Numa introspeção sobre a amizade que se sobrepõe nesta relação, para além da atração quetem prevalecido durante vários anos, têm existido momentos de amor.
É um envolvimento que, pouco comum, tem-se desenvolvido à distância. Sem compromisso, ambos têm as suas vidas, respeitando as mesmas e em simultâneo não deixando de estar ligados.
Se procuraram contornar uma realidade que se foi impondo pelas circunstancias, e se foi alimentando pela forma de estar de cada um, jamais o fizeram, conforme afirmou Isabel.
E o que considero extraordinário é a forma como essa relação parece não ter fim, que tem sobrevivido nestes moldes e que, estão de tal maneira habituados, que só o facto de pensarem que poderiam alterar a sua dinâmica, a assusta, segundo ela, confirmando que o mesmo se passa com ele.
Surpreendente química, surpreendente forma de amar, pois também eu acredito que hajam várias formas de amarmos alguém, sejam quais forem as condições que a vida nos coloca.
Simples, não? Tudo depende como encaramos a empatia que criamos com outra pessoa, o trabalho com que a alimentamos, a naturalidade com que permitimos que flua, que pode perdurar ou não.
Apesar de contextos diferentes na forma de sentir, a amizade e o amor podem perfeitamente coexistir sem ser numa relação de compromisso, como instituído pela sociedade, onde os seus segredos podem revelar a essência de cada ser.
E é aí que nos deparamos com a resposta, dentro de cada um de nós.
É o exemplo da Isabel.