O Plano de Recuperação não vai resolver todos os nossos problemas



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Tenho assistido, com certa curiosidade e algum espanto, ao debate e comentários que despoletou a apresentação do projeto do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal, documento-chave para aceder aos apoios europeus para a recuperação. Se algumas críticas formuladas ao documento podem estar, de facto, alicerçadas em premissas e preocupações válidas e genuínas, outras parecem mais encaixar ou num contexto de guerrilha política ou na pura e simples falta de informação. Compreendo que nem sempre as políticas e instrumentos europeus são de fácil leitura e interpretação, daí ser fundamental uma boa comunicação política.

Erradamente, procurou-se vender o Plano de Recuperação como um instrumento financeiro dotado de poderes mágicos que resolveria todos os problemas com os quais o nosso país se confronta: não nos enganemos. O Plano de Recuperação será, certamente, um instrumento crucial para apoiar a recuperação europeia no imediato, mas é apenas um dos pilares que compõem o chamado Quadro Financeiro Plurianual Europeu “Next Generation EU” no qual se incluem, também, os tradicionais fundos europeus do futuro “Portugal 2030”, para o qual estão destinados mais de 33 mil milhões de euros até 2027 e cuja aplicação deverá entrar em velocidade cruzeiro a partir de 2022.

Ora, é neste contexto que importa voltar a lembrar que o objetivo central que permitiu a criação da chamada “bazuca europeia” (isto é, o Fundo de Recuperação e Resiliência) foi o de garantir aos Estados Membros da UE subvenções e linhas de financiamento mais céleres, que permitissem reforçar o estado social, nomeadamente, os sistemas de saúde, e ao mesmo tempo recuperar e modernizar a economia num contexto de transformação verde e digital. Ou seja, o objeto da aplicação do Fundo de Recuperação e Resiliência diferencia-se na forma e no fundo em relação aos tradicionais “Fundos de Coesão”. É neste ponto específico que reside o equívoco principal do debate atual sobre o Plano de Recuperação.

O Fundo de Recuperação não pretende substituir os tradicionais fundos europeus, mas ser um complemento inovador a estes, no contexto específico da luta contra as consequências da pandemia. Como já referido, os Planos de Recuperação que deverão ser apresentados por todos os Estados Membros, terão de obedecer a um conjunto muito específico de critérios de elegibilidade (os chamados “Seis Pilares”) que contêm, cada um, metas de investimento mínimo exigidas, tal como delineado no regulamento aprovado há alguns meses. Aqui falamos essencialmente do respeito por critérios relacionados com o apoio ao sistema de saúde, apoio ao emprego, à transição digital, à transição verde e o respeito pelos princípios do chamado “Green Deal”. Em paralelo, os Planos de Recuperação deverão contribuir para o cumprimento das “Recomendações Específicas por País 2019 e 2020”, isto é, respeitarem as orientações políticas macroeconómicas formuladas todos anos pela Comissão Europeia sobre a forma de impulsionar o crescimento e o emprego e, simultaneamente, assegurar finanças públicas sólidas.

Saberíamos que os responsáveis por construir este plano teriam uma margem de manobra limitada, tendo de fazer escolhas e tomar decisões difíceis num contexto de crise económica e social. No entanto, e depois de feita a contextualização do ambiente político no qual se insere a ação da “bazuca”, e apesar de muitas críticas, é possível concluir que o projeto português do Plano de Resiliência mostra ser coerente com as condições de acesso a este financiamento: destina 66% das verbas à componente da resiliência (onde se destacam o reforço do SNS, a Habitação, o Social, o Investimento e Inovação, a Qualificação e Competência, entre outros); 21% das verbas são encaminhadas para a transição climática (destacando a aposta na mobilidade, na descarbonização da indústria). Finalmente, 18% das verbas serão destinadas à transição digital, apostando na modernização das escolas; na capacitação das empresas e na modernização da administração pública. Importa sublinhar que nos referimos a medidas de âmbito transversal, em grande parte estimuladas por investimento público (que acabará, como sempre acontece, por alavancar muito investimento privado) e cujo impacto será sentido em todo o território nacional, do litoral ao interior, passando pelas ilhas.

Posto isto, estará o Plano Português isento de críticas: não, de todo. Teria sido necessário recolher mais contributos a montante, junto dos territórios e agente económicos? Com certeza. Poderia o plano contemplar uma distribuição mais equilibrada entre o que se entende por investimento público, e apoio às empresas? Merece reflexão. Estarão os investimentos na investigação, ensino superior, e cultura aquém do que seria necessário? Provavelmente. Mereceria o interior do país mais destaque nas 143 páginas deste plano? Um sinal político mais forte seria importante e desejável.

Fazer escolhas é saber prescindir de opções. Num contexto tão difícil como este, as hipóteses de conseguir satisfazer todas as exigências e pedidos serão pouco prováveis.  No entanto, a consulta pública e o diálogo que agora se inicia com os diversos agentes do país é fundamental para esclarecer quaisquer equívocos, corrigir erros e construir compromissos onde for possível, isto, no intuito de reforçar a confiança da sociedade portuguesa em torno deste documento. Não é de somenos importância garantir que o debate seja sério e sereno fazendo, sempre que necessário, alusão ao contexto político do debate, tal como procurei fazer neste pequeno artigo.

Sejamos claros: este é apenas o primeiro passo de um longo caminho que temos pela frente para recuperar a economia e criar um país mais preparado para enfrentar os desafios do século XXI. E tal não passa apenas pela utilização do dinheiro europeu...

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André Costa
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