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folgam as as costas
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Na passada terça-feira reuniu-se em Bruxelas o Conselho Europeu para tentar chegar a um acordo sobre a forma de reduzir o consumo de gás antes que o Inverno nos bata à porta e a Rússia decida fechar a torneira. No meio de tanta desgraça que se abateu nos últimos anos sobre a Europa, esta é apenas a última. Tivemos uma crise das dívidas soberanas em 2011, uma crise migratória em 2015, o referendo do Brexit em 2016, uma amostra de crise económica em 2018, a pandemia em finais de 2019 e dois anos depois, em 2021 a inflação começou a florescer, os preços da energia dispararam e, cereja no topo do bolo, este ano a Rússia decide invadir a Ucrânia. Esta última década na Europa tem sido tudo menos aborrecida.
Durante estes dez anos, o pau da crise bateu sobretudo nas costas dos países do sul, os PIGS como os britânicos depreciativamente nos tratam. A crise da dívida pública deixou Portugal e a Grécia de pantanas, mas também não deixou incólumes a Itália e a Espanha. Foram os países do sul, com a excepção de Portugal, que encaixaram o choque frontal da massa de emigrantes de todo o mundo a tentar chegar ao El Dorado europeu, fugindo da pobreza, da guerra e de ditaduras sanguinárias. E quando chega a pandemia, foram estes os países mais afectados pela pandemia e pelo confinamento. Tendo uma população mais envelhecida que a norma europeia, a mortandade sobretudo em Itália só deixou indiferente quem tem um coração de pedra.
De tanta pancada que levaram, os países do sul tiveram finalmente a sua folga quando a Rússia ameaçou cortar o fornecimento de gás à Alemanha. Como resposta, a União Europeia propôs uma redução colectiva de 15% do consumo, para minimizar o impacto. Mas o governo português aproveitou a folga para anunciar que estava contra, tal como o governo grego e o italiano. O governo espanhol foi mais atrevido e avisou que não foram os espanhóis que se aqueceram acima das suas possibilidades. Lá está, enquanto o pau está a bater nas costas dos outros, folgam as nossas.
Em parte é óbvio que estas declarações foram sobretudo para marcar o terreno e fazer demonstração de força antes das negociações de terça-feira. E prova disso é que no final do dia lá se chegou ao consenso, surpreendendo apenas quem chegou ontem vindo de Marte. À boa velha maneira europeia, todos os países concordam com a redução porque todos saíram de lá com isenções à medida das suas necessidades. As declarações dos países do sul, afinal, não foram mais do que um aproveitar da folga, agora que o pau está a bater nas costas dos outros.
O que é pena, pois perdeu-se uma boa oportunidade para cimentar a União Europeia. Em vez de vinganças mesquinhas, os governos do sul poderiam ter aproveitado a deixa e ter dito presente. Que sim senhor, que vamos colaborar e ajudar no que conseguirmos porque um dos nossos está a precisar de ajuda. Porque é isso que se espera que os países membros de uma união política, aduaneira e económica. A que aderiram de forma livre, e em muitos casos, após vários anos de duras negociações.
A Alemanha, entre outros, pôs-se a jeito ao aceitar a promiscuidade entre os seus políticos e os oligarcas russos? Sim, obviamente que sim. A Alemanha deu lições de moral durante a crise das dívidas soberanas? Claro, várias e repetidas vezes. A senhora Merkel deve bem ter sido a pessoa mais odiada no sul da Europa durante esses anos.
O que impressiona nesta ópera bufa, é que os governos tiveram uma oportunidade única de matar não dois, mas três coelhos de uma só cajadada. Poderiam ter feito declarações públicas de apoio, reforçando o sentimento de união europeu. E ao mesmo tempo mostrar que os acontecimentos de 2010 e 2011 são águas passadas. E manter a mesma força negocial porque a compra e distribuição de gás na Europa não se altera do dia para a noite. No caso ibérico, por exemplo, não há ligação entre a península e o resto do continente, e a construção de um gasoduto demoraria anos. Se a França estivesse de acordo, que não está.
Em vez disso preferiram gastar o cartucho em fogo de vista, trazendo ao cimo ressentimentos do passado. Esquecendo que se não fosse a Alemanha, em Junho de 2011 Portugal não teria dinheiro para pagar funcionários públicos nem pensões. E novamente se não fosse a Alemanha, não teriam chegado tão cedo as vacinas contra a Covid a Portugal. E o dinheiro da bazuca, que invariavelmente vamos estragar em inutilidades e corrupção, só chega porque a Alemanha deu o seu aval.
De certa forma estamos agora a ver uma inversão de papéis. A dinastia dos Habsburgos governou durante largos séculos boa parte da Europa que hoje é a Alemanha, Áustria e outros países vizinhos, dizia-se que nada aprendiam e nada esqueciam. Os governos dos países do sul aproveitaram a folga para mostrar que também eles nada aprenderam nem nada esqueceram. Para próxima, aproveitem para conhecer melhor a história, e sobretudo o fim, dos Habsburgos(*).
(*) Para os mais curiosos, o último Habsburgo morreu no exílio, esquecido e sem glória, na Madeira onde até hoje está enterrado. A todos os que vão tendo pachorra para me ler, estas crónicas voltam em Setembro. Boas férias !
Luso.eu | Jornal Notícias das Comunidades