Crónica do Homem a Dias - Almoço de Natal



Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!


Depois da meditação, sentado no penedo à beira do caminho, H. D. prosseguiu o passeio da manhã de Natal.

Chegou à Quinta da Torre. Aí parou durante cerca de uma hora. Deambulou, triste, voltou a sentar-se. E mais triste ainda regressou a casa. Na Quinta da Torre tinha passado muitos bons momentos da sua infância. E o que observava agora era sumamente constrangedor. Como permanecer indiferente?

 E regressou a casa pelo mesmo caminho. Tinha convidado o primo Joaquim para o almoço de Natal e era necessário prepará-lo. H. D. estava a tentar retomar as amizades de infância e de juventude, depois de algum tempo de afastamento.

O Joaquim também tinha saído da aldeia. Como era bom aluno na escola primária, os pais mandaram-no estudar na cidade. Ele fez o curso do Magistério e tornou-se professor do primeiro ciclo. Mais tarde, conheceu Alda, que era natural do Alto Alentejo, e com ela contraiu matrimónio. Viveram dez anos juntos e tiveram dois filhos. Depois seguiu-se o divórcio, tão penoso como um caminho de cardos.  Joaquim pensou que mudar de lugar, de paisagem e de gentes, lhe faria bem para vencer essa época tão inquietante da sua vida. Rejeitou a cidade, fosse ela qual fosse e concorreu para os Açores. E lá estava feliz. Raramente vinha ao continente, mas a morte da mãe trouxe-o de volta. Ele aproveitou para passar o Natal com a tia e com o primo.

H.D. e Joaquim prepararam um almoço frugal, com a ajuda da mãe que sempre desejava estar presente nas tarefas domésticas.

- Passei a manhã para os lados da Quinta da Torre, o Paraíso da nossa juventude. Lá, na represa da ribeira, despíamo-nos e aprendíamos a nadar. Bogas e bordalos vinham fazer-nos cócegas nas pernas. Em cima, uma águia planava atenta. Perto de tudo, os trabalhadores da Quinta andavam ocupados a regar o milho e a apanhar feijão e abóboras. Podíamos ouvi-los a cantar e a assobiar- disse H. D. Mas o que vi hoje deixou-me deprimido. Depois do incêndio do verão, vieram as máquinas que passaram a terra pelos dentes e foram plantados eucaliptos. O eucalipto isolado até é uma planta bonita e bem cheirosa. Mas plantados desta forma são um atentado à biodiversidade. Eles não deixam crescer nada mais em volta.

- Meninos, a pasta de papel é importante para fazer papel higiénico. E hoje há muitos cus para limpar, disse a mãe.

Riram da brincadeira. Afinal, a mãe ainda conservava o sentido de humor.

- Estamos a viver uma nova extinção global, disse Joaquim. As anteriores foram provocadas pela própria Natureza. Mas a actual é pensada e sistematicamente executada pelo animal Sapiens. No planeta Terra, todos os dias desaparece uma espécie vegetal ou animal. É o Apocalipse Now. Até aqui, a ideia do Apocalipse era apenas uma ideia decantada de seitas religiosas. Mas hoje é a própria ciência, descomprometida, quero dizer ciência do conhecimento, que nos vem alertando para o facto. Muitas florestas foram abatidas para a construção, pântanos foram secados, lagos e rios estão envenenados, o ar é irrespirável em muitos lugares da Terra.

- Quem nos diz que a pandemia actual não é fruto desse desequilíbrio?

- O Papa Francisco, pela primeira vez na história da Igreja, já chamou a atenção para isso, disse a mãe.  Ele disse – “Ouvi o grito da Terra”. É um Papa deste tempo, realmente.

- Bem, e nós estamos a fazer a nossa parte, hoje, dia de Natal. Respeitamos os animais e não comemos carne. Eu não sigo Igrejas, só os Beatles. E Joaquim riu com a sua própria brincadeira. É que Paul McCartney pediu aos seus fiéis, que lhe queriam oferecer prendas pelo aniversário, que deixassem de comer carne. Seria a melhor prenda que lhe podiam dar.

 

Luso.eu - Jornal das comunidades
Manuel Silva-Terra
Author: Manuel Silva-TerraEmail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.
Para ver mais textos, por favor clique no nome do autor



Luso.eu | Jornal Notícias das Comunidades


A sua generosidade permite a publicação diária de notícias, artigos de opinião, crónicas e informação do interesse das comunidades portuguesas.