Sempre me ensinaram desde criança que o acto de mentir é feio.
Nunca deveria enganar ninguém e que a mentira tem perna curta.
Mas desde criança, nas brincadeiras de rua com as outras crianças fui percebendo que o acto de dizer a verdade tinha os seus custos.
Dizer a verdade não era para todos.
De facto, quem ficava mal, em algumas situações, eram aqueles que diziam sempre toda a verdade.
Eu aprendi na pele que o facto de dizer toda a verdade tinha os seus desencantos. A verdade a toda a força.
Por vezes até caía no ridículo em contar a verdade porque era apelidado de queixinhas.
Aqui surge o momento em que talvez fosse melhor não contar toda a verdade para não levar com aquele rótulo.
Por outro lado, também era ameaçado, qual algo corria mal: "vou fazer queixa aos teus pais".
Afinal a verdade tinha que ser bem gerida.
Já para não falar quando a verdade continha notícias desagradáveis e ninguém queria ser o portador das más notícias. Então toda a gente fugia para não dar aquela noticia.
Ainda havia o mentiroso compulsivo.
Aquele que se dava bem a viver no meio da mentira como se nada o afectasse. Mentir na cara das pessoas sem qualquer problema. Por vezes dava-me conta que ele poderia ter razões surpreendentes para mentir descaradamente. Outras vezes parecia mentir sem qualquer propósito, só porque sim.
As suas mentiras pareciam não fazer qualquer sentido e não serviam para nada. Eram mentiras totalmente irracionais, pelo menos naquela idade.
Já na vida adulta o mentiroso compulsivo continua a debitar mentiras brancas, sem servir para obter dinheiro, sexo ou alcançar um título superior. Noutros casos pode alcançar tudo aquilo e subir na vida.
Aquilo que leva o doente a mentir compulsivamente, nunca poderá ser entendido pelo lado de fora, pelas outras pessoas. O seu estado interno revela uma necessidade distorcida de auto-estima, o que lhe dá motivos para mentir indefinidamente.
É possível atingir os object
ivos de vida traçados sem recorrer à mentira. É possível conseguir o que se deseja sem recorrer à mentira.
Muitas vezes os mentirosos patológicos mentem apenas para chamar a atenção. Fazem-se de vítimas, contam histórias de raptos, perseguições pela polícia, doenças com risco de vida ou ainda são atacados por jacarés e tubarões.
Olhando para trás, vejo que algumas das histórias que me contaram, não passaram de mentiras. Histórias contadas por pessoas com necessidade de chamar a atenção sobre si. Essas pessoas só queriam sentir-se importantes.
Depois há os mentirosos doentes, que inventam uma história para pedir dinheiro. Garantem que devolvem o dinheiro emprestado no dia seguinte. Há sempre uma desgraça, uma emergência que acontece para pedir dinheiro emprestado. E há sempre pessoas que acreditam.
Mas curiosamente essas pessoas vestem-se bem, usam perfumes caros e vão a locais frequentados pela elite. São os enganadores crónicos, que estão dispostos a investir o tempo necessário para estabelecer a sua credibilidade com base na sua imagem, garantindo a confiança à sua volta.
A mentira mais vulgar: "eu esqueci-me", aponta para a necessidade de seguir em frente, sem enfrentar as consequências. Mas também denota falta de respeito pelo seu interlocutor.
A maioria das pessoas mente e a desonestidade é generalizada, ainda que com reduzida frequência.
Muitas das vezes a história é tão inacreditável, que só pode ser mentira. Vomitam falsidades sem qualquer tipo de preocupação com a verdade, nem com as consequências de daí possam advir.
Na verdade, eles mentem compulsivamente para impressionar, para se destacarem.
Qualquer pessoa poderá mentir, se a mentira resultar mais benéfica que a verdade, quando as potenciais consequências negativas da mentira puderem ser suportáveis e enquanto eles a puderem justificar moralmente.
Em alguns casos, mentir é útil, é benéfico. Ou tudo depende da perspectiva com que se vê a realidade.
Não existem verdades absolutas. Para uns isso é mentira.
Dar uma má notícia recorrendo à criatividade pode ser útil.
Ser verdadeiro para si mesmo é o melhor ponto de partida para uma vida mais equilibrada.
Luso.eu - Jornal das comunidades
Author:Joao PiresEmail:Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
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