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Há datas que não são apenas números no calendário. São pulsações da alma colectiva, instantes em que o tempo se dobra sobre si mesmo e nos sussurra quem somos.

O cinco de Outubro é uma dessas datas. Não uma, mas duas vezes. Em 1143, com o Tratado de Zamora, nasceu Portugal, e em 1910, com a queda da monarquia, ergueu-se a República.

E, no entanto, apenas uma dessas faces é celebrada. A outra, a mais antiga, a mais funda, permanece esquecida, como se a raiz pudesse ser ignorada sem que a árvore tremesse.

Fundar é mais do que proclamar 

Fundar é acto de origem, gesto inaugural. Quando D. Afonso Henriques se fez reconhecer como rei, não se libertou apenas de um jugo político, deu nome ao espaço, deu corpo à vontade, deu destino ao povo. A fundação de Portugal não é um episódio medieval; é o primeiro sopro da nossa existência, o momento em que deixámos de ser sonho para sermos chão.

Celebrar esse dia é acender a memória. E a memória, como o lume, não serve apenas para aquecer o passado, serve para iluminar o presente, e, quiçá, guiar o futuro.

A República sem raízes é uma casa sem alicerces 

Um país não vive do seu passado, mas não pode viver sem ele. A República é filha da História, não é a sua substituta. Quando um sistema político se torna mais importante do que a nacionalidade que o sustenta, alguma coisa se perde. Não se trata de negar a República, mas de lhe devolver contexto. De lhe recordar que antes dela houve reis, povo, língua, mare, sobretudo uma razão de ser. Houve Portugal.

Ignorar a data da fundação é amputar a narrativa. É como ler um romance começando no segundo capítulo. E o facto de se ter escolhido o dia de Camões para ser conjuntamente o dia de Portugal e das Comunidades portuguesas não apaga a legitimidade de celebrar também o instante em que nascemos como nação.

Mas porquê este silêncio? Talvez porque celebrar a fundação monárquica pareça, a olhos desatentos, incompatível com o espírito republicano. Como se a honra devida às origens exigisse fidelidade ao sistema que os viu nascer. Engano profundo. A memória não tem bandeira partidária.

Celebrar o 882.º e o 115.º, um gesto de reconciliação 

Este ano, Portugal completa 882 anos. A República, 115. Que gesto mais belo seria unir ambas as celebrações, como quem junta duas mãos que há muito se não tocam. Seria um acto de maturidade, de respeito, de amor à verdade. Seria reconhecer que somos feitos de continuidade, não de ruptura.

Seria bonito. E ficava-nos bem. Mas, mais uma vez, não será assim.

Por isso atrevo-me a propor que, nos próximos anos, olhemos para as duas datas com reconhecimento mútuo, não para apagar diferenças, mas para as integrar numa narrativa comum, numa memória reconciliada.


 



 

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