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Para este jornal das comunidades sediado em Bruxelas, tenho procurado ir ao encontro de temas que tenham algo a ver com a Bélgica, mas não obrigatoriamente, visto que o grande tema são as comunidades. Contudo, uma vez desenhado este meu propósito, não tem sido muito difícil a procura, pois os temas têm vindo ao meu encontro. Recentemente, foi-me feita a narrativa de um jantar em que Raoul Lévy, produtor de cinema nascido em Antuérpia, a terra de Rubens e de Van Dyck, terá conversado com François Truffaut, e não sei a que propósito, no decurso da conversa, terá começado a contar-lhe o enredo do livro Fahrenheit, que Truffaut não conhecia nem sabia ser o seu autor Ray Bradbury. Sabe-se, contudo, por ser contado na sua biografia, uma competentíssima biografia, de resto, que ouvindo a história, o realizador se comoveu, literalmente, até às lágrimas. Sabe, quem tem conhecimento da sua filmografia, que Truffaut acabou por realizar o filme, que mereceu aliás, de Bradbury, total adesão e aprovação.
Trago aqui este episódio pelas razões já acima expostas, mas sobretudo por ter visto recentemente o filme pela segunda vez. É um filme comovente e terrível. Esperemos que não profético, porque estou cada vez mais persuadida que os livros são o nosso último lugar de resistência.
Pergunto ao leitor que alguma vez se comoveu lendo ou ouvindo uma história, se não seríamos profundamente mais pobres e limitados sem estas outras vidas que os livros trazem à nossa vida.
Truffaut revelou-se aqui o que se conhece dele: um homem profundamente sensível e genuíno. Para além de outras características conhecidas, como a coragem, o génio, o rigor, o elevado sentido de liberdade.
Quanto ao narrador da história que o comoveu, Raoul Lévy, viveu apenas 44 anos, entre 1922 e 1966. Está quase a fazer anos sobre a sua morte, que se deu num 31 de Janeiro, por suicídio, coincidindo com um filme ruinoso e o fim de um relacionamento.
Era produtor de cinema, nomeadamente do filme E Deus criou a mulher, assim dando relevo a Brigitte Bardot. Mas também realizou e foi guionista. Tem, no seu currículo, uma importante filmografia.
Mas para mim ficará para sempre referenciado como um magnífico contador de histórias que pôs um gigante do cinema a chorar, acabando, com estas lágrimas, por fazer um dos mais importantes filmes da história do cinema, tributo aos livros e alerta para a humanidade.