“Quando for grande quero ser como tu!”



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"Quando for grande quero ser como tu!”. Sim, gostava de ter algumas das tuas qualidades e se possível não ter os teus defeitos – já tenho os meus e isso é luta suficiente. Mas, mesmo que as qualidades fossem como uma roupa que compramos e usamos, sem que os defeitos também viessem no mesmo pacote, serias tu a mesma pessoa? E nesse caso, quereria eu, mesmo assim, ser como tu?

Estas, e outras comparações, estão na origem de uma extra sensibilidade que vejo cada vez mais nas crianças e jovens. Naturalmente, creio que a culpa não seja delas mas sim de duas condicionantes: um acesso desmedido e descontrolado a redes sociais “tóxicas” e viciantes; apoio à vitimização por parte da maioria dos agentes de autoridade educativa – se assim poderei chamar – como os pais, professores, psicólogos, escolas, e até mesmo a comunicação social. Mas antes de continuar o meu raciocínio deixe-me fazer dois apontamentos: (1) não tenho nada contra as redes sociais, mas sim contra à utilização excessiva das mesmas sem olhar crítico; (2) defendo que o ser humano deve ser apoiado nas suas dificuldades, desde que lhe dando ferramentas para que possa resolver os seus problemas sem ficar dependente.

Esta semana, após a introdução de uma unidade temática sobre Fair-Play, pedi aos meus alunos que pensassem em algumas adaptações no futebol que promovessem este bom comportamento. Ouvidas as respostas, reparei que a esmagadora maioria  apresentou sugestões que diziam respeito ao número de jogadores (complexidade do jogo), dimensões do campo (dificuldades físicas), nível de aptidão física para o futebol, etc. Apresentaram a justificação de que assim o jogo seria mais “justo”. Ou seja, nesta pequena amostra, o conceito de respeito pela diferença foi confundido com a igualdade de oportunidades. Mesmo após voltar a explicar essas diferenças, e porque tenho a sorte de trabalhar numa escola com um sistema de ensino que promove o criticismo, os alunos debateram comigo defendendo que se o jogo não garantir o sucesso de todos os jogadores, não é um jogo justo. Então perguntei: um jogo que acaba empatado, é então, um jogo justo?

Hoje, durante a caminhada matinal, enquanto ouvia um podcast sobre estoicismo explicado pelo grande Clóvis de Barros Filho, a conversa divergiu para os contextos contemporâneos no Brasil e deparei-me com a mesma problemática de vitimização juvenil. Pelos vistos, do outro lado atlântico vive-se a mesma tendência de achar que todo o sistema externo ao ser humano é que deve se ocupar de lhe garantir o sucesso, e se isso não acontecer, é porque foi propositado (como se fossemos assim tão importantes) e não é justo (como se isso fosse um conceito com critérios iguais para todos nós). E nesta mesma caminhada passei por 5 atletas estrangeiros de natação adaptada, e ainda ponderei convida-los para este debate com os meus alunos – não sei bem porque não o fiz. Provavelmente, estes melhor que ninguém, são exemplo de resiliência, e de real necessidade de adaptações que garantam oportunidades, mas, mesmo assim, necessitam que haja respeito pela sua individualidade não só nas regras dos jogos, mas pelas necessidades de apoio que têm também fora do Desporto. Além disso, só porque todos apresentam alguma necessidade de adaptação desportiva, poderemos assumir que estão todos nas mesmas condições? Claro que não! Isso é utópico e mesmo assim há que competir pois isso alimenta-lhes a vontade de viver.

Isto tudo para trazer aqui uma questão que considero urgente: formar as crianças (desde tenra idade, naturalmente adaptado a cada nível de maturidade) para serem capazes de enfrentar os desafios da vida sem vitimizações desnecessáriase de forma autónoma. Se o preço do gasóleo está alto, terei que ajustar o meu estilo de vida para garantir os meus bens essenciais e responsabilidades ao banco. Se não sou bom numa disciplina posso pelo menos dar o meu melhor nas aulas e empenhar-me no estudo/prática para ser menos mau. Se o meu patrão me pede para fazer um trabalho que não estou acostumado posso pedir ajuda a terceiros que tenham experiência para me guiarem. Se fui traído posso refletir se estou disposto a desculpar ou não e agir de acordo com isso. Se me é diagnosticada uma doença vou informar-me de que tratamentos posso dispor.

Esta capacidade de lidar com as dificuldades pode começar a ser ensinada desde o momento em que o bebé quer passar o dia inteiro com a chucha e o cuidador não deixa. Posteriormente é a criança que quer o brinquedo do irmão/colega mas que tem que aprender a partilhar. Seguidamente é o jovem que tem uma má nota numa disciplina e começa a refletir o quê que ele mesmo poderá fazer para melhorar na próxima vez. Passando para o estudante universitário que teve o azar de não cair nas graças daquele professor carrancudo e tem que arranjar forma de acabar o curso. Desta forma, poderá tornar-se no adulto que não esperou que todo um país de moldasse para lhe garantir emprego, e até mudou de “rumo de vida” e desenvolveu-se noutra área distinta para que conseguisse continuar a viver.

Claro! Nada disto garante uma vida plena. É muito mais complexo que isso. Mas continuarmos a contribuir para o “síndrome do coitadinho” colocará em causa a segurança das próprias crianças e jovens, e até de nós mesmos que um dia dependeremos desses adultos. Há que educar para a resiliência desapaixonada. Garantir o processo de auto reflexão e melhoria das práticas individuais sem certezas que tudo vai correr bem.

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Afonso Franco
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