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Mal se conheciam, mas já gostavam de trocar dois largos dedos de conversa. De início era quando se cruzavam, por acaso, à beira da piscina. Ainda mesmo antes de mergulharem, já faziam o aquecimento do espírito ao nadar pelas palavras um do outro. A verdade é que havia pura conexão naquela conversa do momento, algo inexplicável e profundo. Ficavam sem pé ao mergulhar um no outro.
Mais tarde, quis os mistérios insondáveis da vida que se aproximassem e durante anos o amor deles viveu da conversa, do desabafo, de uma profunda cumplicidade e de um erotismo inabalável. Tal como exploravam as palavras, descobriram os corpos um do outro, com uma paixão desenfreada e intensa.
Curioso como sempre tiveram tanto em comum, embora com fatores que pudessem ser como muros entre eles. Na verdade, até nesses muros cresciam plantas. A natureza orgânica daquela relação só amadurecia, sem adubos, apenas com a rega e a luz que advinham da companhia um do outro.
Tentaram dizer adeus, por várias vezes... a pensar que talvez por aí houvesse mais filosofia por explorar. O facto é que os laços que os uniam criavam raízes muito profundas e, apesar de tudo, adensavam-se com o tempo e até mesmo com a distância. Parecia, no fundo, uma maldição abençoada. Pelo menos era assim que ela pensava, um desses dias em que especialmente lhe fazia falta o Podcast Filosófico, o nome que ele carinhosamente deu às conversas (infinitas) deles. Há no amor um portal íntimo, uma passagem secreta que só os amantes conhecem, até de olhos fechados.
Nesse dia, no meio dos seus escombros sentimentais, foi andar por aí sem destino, por caminhos difíceis, iguais àqueles do seu coração. Passou por subidas íngremes, por ruas apertadas com o abismo ao lado, sem ainda bem saber que rota seguir.
Sem muita tolerância para a melancolia, começou a pensar que seria melhor simplesmente apanhar a boleia da vida. Esperar, graciosamente, pela boleia sábia da vida. Sabia que, em algum momento, a boleia da vida iria ajudá-la a encontrar inspiração para novos episódios filosóficos ou então ensiná-la-ia a ter mais sabedoria para explorar os atuais. Viver também deveria ser isso, pensou, no alto dos seus 30 anos. Saber aguardar com contentamento humilde que o caminho do amor se vá desenhando em baixo dos pés.
É preciso alimentar a nossa conversa interior e saber que a fé na vida sempre se instala, e que de repente faz ecoar uma voz de copiloto a dar instruções para o próximo destino. Às vezes não se ouve a voz do copiloto. É ténue, e no meio da indecisão do caminho, torna-se ainda mais difícil ouvir. É preciso silenciar o ruído exterior para se conseguir escutar. Ela sabia disso. Mas precisava de caminhar mais, até se sentar com o mar em frente, disposta a apanhar a boleia da vida.
Quando se rendeu conseguiu ouvir ao longe, muito ao longe, as indicações do seu copiloto. Eram simples de seguir. Bastava acelerar menos e aproveitar mais a viagem, o caminho. De vez em quando parar. Apreciar o sítio onde se está. Há uma beleza divina nesse lugar, que só se mostra aos corajosos, àqueles que têm no coração a chama acesa.
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