João Manuel Varela ou João Vário: professor na Universidade de Antuérpia e poeta cabo-verdiano



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João Manuel Varela nasceu no Mindelo em 07 de junho de 1937. Filho de pescador, saiu de Cabo Verde para ir estudar medicina nas Universidades de Coimbra e Lisboa, onde se destacou como um aluno brilhante. Doutorou-se na Universidade de Antuérpia, aí permanecendo como professor e investigador nas áreas da neuropatologia e da neurobiologia. Realizou investigação em vários países europeus (Portugal, França, Bélgica e Roménia) e também em Angola e em Lesoto. Regressado a São Vicente, em 1998, após 42 anos na diáspora, 10 dos quais na situação de exilado político, foi professor titular de Citologia e Fisiologia Celular no Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar, hoje Universidade Técnica do Atlântico.

Como cientista, o seu nome ficou associado aos estudos sobre a doença conhecida como “Síndrome de Varela”, como poeta, deixou uma obra extensa que se desdobra numa autoria múltipla: João VÁRIO, heterónimo que terá nascido em 1959 e que, “pela sua força e originalidade de escrita, lhe roubou a identidade de cidadão e cientista”,  Timóteo TIO TIOFE, criado em 1961; e G. T. DIDIAL, heterónimo que terá sido criado na década de 80.

A sua obra literária, muito complexa e, talvez por isso, pouco conhecida ou estudada, é constituída por Exemplos, livros 1-9, reunidos em 2000, em S. Vicente, (faltando publicar 3 livros – 10,11, e 12 – que continuam inéditos) assinados por João Vário; Os Livros de Notcha (o primeiro, saído em 1975, o segundo em 2001, ambos publicados em S. Vicente,) por Timóteo Tio Tiofe;  O Estado Impenitente da Fragilidade (1989) e Contos de Macaronésia (vol. I, 1992; vol. II, 1999), S. Vicente e Sturiadas,  livro inédito.


Para além desta atividade literária diversificada, o Professor João Manuel Varela foi diretor da revista Anais (Mindelo, 1999-2001), onde foram publicados artigos da sua autoria que são referências para a história do ensino, da universidade pública e da investigação em Cabo Verde.

Foi apelidado por Corsino Fortes, seu companheiro de geração, como “negro greco-latino”, nesta expressão se descobrindo uma subtil crítica à pretensa submissão do autor a uma hegemonia cultural europeia e, consequentemente, uma traição à raiz identitária de transgressão crioula. A esta acusação, o autor responde sempre com o diálogo, que é também questionação epistemológica, entre a ilha e o arquipélago, entre os pés bem fincados nos seus “dez grãozinhos de terra” e o confronto intercultural, espaço transgressor e simultaneamente de confluência entre a identidade crioula e a globalização diaspórica.

Esta aparentemente contraditória noção de pertença e necessidade de afastamento, caminho de autointerpelação ou de regresso a uma (re)construção da identidade poética cabo-verdiana, retorno à casa, raiz, origem e refúgio, mas que é também uma demanda de evasão universal, define a trajetória literária de um intelectual em trânsito (quase) permanente entre a sua ilha e a Europa, percurso complexo de concerto entre as culturas africanas e as culturas ocidentais, as culturas tradicionais e as culturas científicas.

Na contracapa dos Exemplos (2000), João Vário afirma que o seu trabalho poético representa essencialmente um esforço de integração da poesia ocidental numa linguagem que interpela as suas raízes de homem dos trópicos. É este poeta pós-colonial no sentido mais profundo, influenciado pela cultura ocidental, mas reivindicando a sua africanidade; em des-sintonia com o seu tempo, mas tentando recompor a ligação à sua insula natal, porventura um exemplo maior, representativo do significado daquilo a que vulgarmente chamamos lusofonia.

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Sofia Santos
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