INTERIORIDADES



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Estive no interior profundo do meu país, e senti-me em casa.

Estive numa aldeia onde se fala português, onde os habitantes são maioritariamente portugueses, onde os trabalhadores que têm contacto directo com os fregueses são portugueses mas também falam outras línguas, ou são estrangeiros que são fluentes em português, onde os campos estão cultivados e nenhum ao abandono, onde as ruas e os jardins estão cuidados e limpos, onde os hotéis, os restaurantes e os cafés locais servem, com orgulho e prioritariamente, productos típicos daquela região, onde os letreiros dos artigos à venda estão escritos em português, onde esses mesmos artigos são de origem local ou, não existindo na região, são nacionais, e onde só se encontram productos estrangeiros se não os houver na produção portuguesa.

Há bastantes estrangeiros a viver naquela aldeia, e não andam escondidos. Todos falam português, uns, melhor do que outros, e todos estão integrados na comunidade onde vivem e trabalham, e todos, sem excepção, estudam a nossa língua, tendo para o efeito, aulas semanais.

Ao contrário de outras regiões do meu país, principalmente as cidades do litoral, ali não me senti um estrangeiro. Ali, naquela terra pequena em tamanho, mas enorme na sua portugalidade, senti-me realmente português e não uma outra coisa qualquer.

Bem, na verdade, esta terra não existe. Não a conheço. Nunca lá estive a não ser em pensamento. Esta terra será uma quimera, unicamente um producto da minha imaginação. No entanto seria desejável que existisse. Melhor, que existissem muitas como esta.

E não, os meus pensamentos não são negativos. São realistas.

Há dias ouvi dizer numa palestra, qualquer coisa como (em palavras minhas) “é no interior geográfico, ou no do pensamento, que estarão realmente os que são portugueses”, e concordo com a afirmação.

A nossa identidade está mais vívida longe dos centros urbanos mais frequentados por turistas. Os responsáveis políticos e económicos destes lugares cheios de gentes que nada têm a ver connosco, tendem a destruir as nossas características exclusivas, com as quais nos diferenciamos, implementando o que pensam ser a vontade do turista acidental e retirando dos seus poisos habituais, a maior parte das vezes por razões económicas, os habitantes e o pequeno comércio que por lá sempre houve. E com isso, destroem-nos.

Tivessem esses responsáveis a visão necessária e devida, e impediriam essa descaracterização, impondo a continuidade da habitação económica em todos os prédios onde se quisessem implementar apartamentos de arrendamento temporário, a obrigatoriedade da existência dos pequenos tascos tradicionais, onde a comida era o ex-líbris das nossas cidades, e por aí fora, numa miríade de directivas realmente importantes para manter a nossa identidade.

Lá longe, longe da voragem do passante em massa e da marca que nos deixa, podemos ser nós próprios, podemos ter as nossas maravilhosas comidas, viver a nossa calma e os nossos silêncios, e os nossos stresses e os nossos problemas, sem os vermos perturbados ou modificados por vontades alheias ou por imposições económicas.

Lá longe, no interior geográfico, ou em qualquer lado, no interior do nosso pensamento, podemos ser muito melhores, mantendo as características que fizeram de nós um povo excepcional.

Bastará, para tanto, que se faça o que tem de ser feito, e que se faça bem feito.

 

José Fernando Magalhães

 

“- Por decisão do autor, este artigo encontra-se escrito em Português, e não ao abrigo do «novo acordo ortográfico».”

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