Entre a Vida e a Morte



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Celebrar a vida que a morte tem data marcada 

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Recebeu o convite do seu amigo e colega de faculdade para ir celebrar o seu aniversário em conjunto com alguns amigos e com a família. 

A última vez que ele tinha recusado o convite desse mesmo amigo, havia sido há 2 anos atrás por esta altura, data em que começava a ser divulgado surgimento de uma pandemia. 

Então ele tentou argumentar que seria mais seguro adiar o almoço-convívio do seu aniversário porque ainda não era sabido muito bem o que estava a acontecer, apesar de a OMS ter classificado o surto a 30 de Janeiro de 2019 como Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional.

Mas apesar de toda a argumentação, Carlos insistia na realização do almoço do seu aniversário na pandemia. Os conselhos de prevenção tornavam-se claros, com indicação do maior resguardo possível, evitar o contacto com outras pessoas e confinamento total se necessário. Naquela altura ainda não havia sequer a distribuição generalizada de máscaras covid de protecção.

Há 2 anos atrás, ao fim de muita conversa trocada por mensagens e telefonemas, João convenceu o aniversariante a cancelar aquela festa de aniversário. Volvidos aquele tempo, João recebeu novo convite. A pandemia já tinha terminado, mas estavam em plena guerra da invasão da Ucrânia pela Rússia. Bem, esse motivo, apesar de grave, já não seria justificação para não ir ao aniversário do seu amigo. 

No entanto todas aquelas mudanças no mundo deixavam João um pouco preocupado e até confuso, sendo o que mais lhe proporcionava conforto era ficar em casa a jogar Fortnite e evitar sair a todo o custo, fosse para onde fosse. 

Claro que com dois adolescentes em casa tal desejo era uma tarefa quase impossível e as saídas repetiam-se mas em família. 

Depois de acertado o dia, a hora e o local para o almoço de celebração do aniversário do seu amigo Carlos, João pediu para responder mais tarde, uma vez que a festa ia decorrer num almoço de domingo e a sua família não estava disposta a acompanhá-lo naquele evento.  

A sua família não conhecia o seu amigo e estavam pouco à vontade para ir a uma festa de aniversário de um desconhecido. Claro que ele já participou em várias festas de aniversário de amigos da sua mulher, que ele não conhecia. Mas os homens servem para isso mesmo.  

Os seus filhos, em plena adolescência, é que nunca haviam visto aquele amigo e não estavam dispostos a trocar o conforto e o calor da sua cama para se levantarem mais cedo a um Domingo para irem cantar os parabéns de um desconhecido.

Ele depois de ter falado com a sua mulher lá decidiu alinhar sozinho naquela festa uma vez que até a sua própria companheira o encorajou a participar só e a divertir-se com os amigos. 
Seguiu em frente, pois João sempre preferiu celebrar a vida em vez de chorar da morte. Entregar-se às coisas boas da vida, procurar os sinais de esperança. 

De facto, parece que nunca há tempo para celebrar acontecimentos importantes nesta vida: como quando nasce um bebé, o baptizado de uma criança, o casamento de amigos e o aniversário do colega da faculdade que já não via há décadas.

Ou para apreciar uma simples flor, ouvir o rugido das ondas do mar, ouvir uma boa música, sentir a brisa da montanha ou os perfumes da natureza na Primavera. 

Quando alguém morre subitamente ou por doença prolongada, então parece que o mundo acaba ali e não existe alternativa senão comparecer naquela cerimónia da última despedida, ainda que o morto não saiba quem lá esteve bem como não se possa despedir das pessoas. 

A comparência naquela derradeira despedida serve para confortar com «os meus sentimentos» ou «sentidos pêsames», os parentes mais próximos. 

Ele aproveita, em silêncio, o momento para fazer o balanço da sua própria vida. Para ficar de bem com a vida, que a morte é certa. 

Assistir ao funeral de alguém próximo, serve-lhe para expiar as suas culpas, como quem diz, já que não te acompanhei em vida, venho aqui prestar a última homenagem e fazer a minha última despedida. 

Aquela forma de pensar era condenável no seu entender, mas não conseguia deixar de pensar assim. 

Libertou-se daqueles pensamentos mórbidos e levantou-se naquela manhã de Domingo. A casa ainda dormia, com a família na cama, pelo que sentiu menos culpa ao sair de casa para ir celebrar o aniversário do amigo de há longa data. 

Decidiu animar-se para ir ao encontro do seu colega que tanto desejava reunir as pessoas à volta da mesa para celebrar o seu aniversário, mas também para celebrar a amizade, a festa e a vida.

O autor escreveu este artigo de opinião em exclusivo para os leitores do jornal online LUSO.EU. Escreve de acordo com as regras ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. O presente artigo de opinião é da exclusiva responsabilidade do seu autor.

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Joao Pires
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