9 - Crónica do Homem a Dias - Caderno de Apontamentos



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Apesar da aversão a computadores que a nossa professora de informática ganhara ela ajudou o amigo. Foi necessário desinstalar alguns programas e instalar outros. Explicou que as empresas fazem computadores para só durarem três anos. E assim mantêm as linhas de montagem na China em permanente actividade. Quando nós compramos um computador ele já está desactualizado. Chama-se a isto trabalhar para a Obsolência. E vamos usar a letra maiúscula para reforçar esta ideia. Com isto há uma perda astronómica de gastos em energia de produção e em energia de transporte, CO2 e plástico gerados porque hoje os negócios são à escala global.

Por causa desta aversão que a nossa professora de TIC ganhou a computadores foi considerada de arrogante pela comunidade, pois não se prestava a ajudar quem queria a todo o custo acompanhar a nova revolução.

Propositadamente, as empresas desactualizam permanentemente o software, tornando os computadores incapazes de processar dados e programas. Depois, a publicidade e o markting fazem o resto.  Enquanto não se legislar no sentido de tornar obrigatória a Garantia pelo dobro do tempo, pelo menos, e o necessário fornecimento de peças para consertos e assim termos mão de obra à porta, estaremos cada vez mais dependentes das grandes multinacionais – empresas sem rosto! É tão obsceno que muitas destas empresas têm orçamentos maiores do que muitos estados. Mas, como diz o povo – e Joaquim procurava sempre afastar-se do senso comum – políticos que estão em Bruxelas, economistas e empresários são tudo farinha do mesmo saco. O que não é uma verdade verdadeira. Mas que é difícil distinguir o honesto e o ladrão é verdade. Por isso, quem não é lobo que não lhe vista a pele. E para sairmos do senso comum podemos invocar a ciência. Os físicos, com Galileu como figura de proa, afirmam que “Isto anda tudo ligado”. E a ciência está mesmo em perceber as conexões. Sempre assim foi. De modo que quando uma verdade científica (também ela sujeita a revisões) e o senso comum coincidem podemos estar seguros de que temos uma verdade cartesiana nas mãos – é importante não a deixar escorregar.

Mas voltemos a casa de Joana, enquanto o problema de Joaquim está a ser resolvido.

O nosso H. D. continuava sentado à lareira com a mãe ao lado. A mãe folheava um álbum que Joaquim lhes tinha deixado como prenda. Era um grosso volume com imagens de René Magritte (trouxera-o da Bélgica quando lá estivera no verão anterior em visita à filha). A mãe já conhecia algumas pinturas de Magritte. Mas agora com o filho estava a conhecer a grande obra deste pintor belga. O que mais os impressionava era a forma como o realismo se aliava à imaginação. Era um realismo invertido – o que desafiava a reflexão a não se deixar acomodar.

Joaquim tinha um caderninho de apontamentos sobre os joelhos. É-nos permitido espreitar. São apontamentos para um programa de rádio local onde tinha uma rúbrica de dez minutos por semana.

Escrevia apenas os temas que gostaria de abordar, mas que devido ao tempo disponível tinha de optar apenas por um:

- A plastificação do planeta

- Os gastos do complexo militar e a quantidade de CO2 expelidos para a atmosfera

- O ruído nos céus, nos mares e em terra

- A agricultura intensiva

- As espécies animais e vegetais que já tinham desaparecido devido à acção do “homo industrium” e as que estavam ameaçadas

- A desconfiança que começava a enlamear tudo e todos

- A globalização

- O destino da inteligência

- A engenharia genética

- A “fuga” para o espaço

- Os políticos profissionais

- Os refugiados políticos e agora também ambientais.

Eram tantos os possíveis temas elencados que se sentiu embaraçado (em castelhano “embarazada” significa grávida, e era grávido que H. D. se sentia – uma gravidez para o qual não estava preparado). Mas não ia atirar a criança para o silvado.  

*O autor não escreve de acordo com o novo A. O.

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Manuel Silva-Terra
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