A -demos que somos; a -cracia que queremos



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Abrir um jornal, ouvir ou ler um noticiário tornou-se, nos últimos tempos, em algo que muitas vezes poderá ser classificado como um ato de coragem. As letras gordas, os rodapés das televisões, os separadores dramáticos, os artigos de opinião carregados de sentimentos negativos e a sobre-exploração de certos acontecimentos relembram-nos todos os dias que vivemos num tempo atormentado, em que as tensões no seio das nossas sociedades são cada vez mais prementes e visíveis.

Ao fenómeno do sensacionalismo barato, que aposta numa contínua exacerbação e aproveitamento de sentimentos, junta-se o submundo – cada vez mais agressivo e perigoso –das redes sociais e das plataformas de desinformação que se escudam com uma determinada ideia de liberdade de expressão, e cujos utilizadores embarcam num carrossel de extremismos, insultos, questionando todo e qualquer facto, levantando suspeitas sobre todo e qualquer um, animados numa caça às bruxas permanentes. Neste submundo, a ponderação dá lugar à leviandade, o racional dá lugar ao ilógico, o diálogo dá lugar ao monólogo, o sentimento de comunidade dá lugar ao egoísmo e desprezo, colocando em questão as bases mesmas que nos permitiram, em conjunto, construir sociedades democráticas, livres, inclusivas e respeitadoras dos Direitos Fundamentais.

A democracia está em crise, mas tal poderá ser sintoma de algo mais grave, de algo que nos diz respeito diretamente enquanto sociedade e enquanto cidadãos com direitos e com deveres. Se a democracia está em crise é sobretudo porque a cidadania, pilar essencial para o bom funcionamento de todo este sistema, está amorfa e apática. Ora, uma sociedade aberta e uma democracia madura só podem ser construídas com a participação ativa dos seus cidadãos, debatendo e dialogando sobre problemas comuns, apresentando soluções, exigindo respostas e a prestação de contas. 

Que ninguém se engane: a democracia não é um sistema de governo fácil. E não o é, porque a democracia pretende traduzir através das instituições governativas eleitas, as várias sensibilidades de um país, no intuito de chegar a compromissos que permitam a governabilidade e uma resposta equilibrada aos anseios da comunidade. E só será possível aperfeiçoarmos este modelo de governo se nós, cidadãos, detentores de direitos políticos e sociais, – mas também de deveres – nos consciencializarmos que somos parte interessada no bom funcionamento das instituições.

Infelizmente, as elevadas taxas de abstenção aquando de atos eleitorais, o pouco interesse manifestado pelos debates públicos, o desinteresse latente aferido, por exemplo, pela baixíssima participação de cidadãos nas reuniões de órgãos autárquicos, é causador de uma inquietação profunda sobre o futuro das nossas sociedades.

Compreendo que estes tempos – os nossos tempos – da informação fast-food, do clique rápido, do maldizer absoluto, do desprezo pela argumentação, do desdém pelas ciências humanas, do apelo do marketing da emoção sejam mais propícios a um certo comodismo e alienação. Mas alienarmo-nos da nossa existência enquanto seres políticos é também abandonarmos e desistirmos da nossa condição de cidadãos.

No seu discurso de vitória, o recém-eleito Presidente Joe Biden instou os norte-americanos a acabarem com as divisões, e a serem capazes de voltar a ouvir. E é disso mesmo que precisamos para podermos voltar a assumir, em pleno, a nossa condição de cidadãos: dialogar, debater, ouvir, imbuídos de um espírito de tolerância, de abertura e de compromisso.

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André Costa
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